Religião Afro-brasileira.
Umbanda. Livro Código de Umbanda. Por Rubens Saraceni (1951-2015). LITERATURA E
DOUTRINA RELIGIOSA. Capítulo V. Todas as religiões têm escolas de evangelização
e doutrinação de crianças. Nestas escolas busca-se passar conceitos religiosos
e doutrinários para a vida civil dos fiéis, que os encontrarão novamente em
suas leituras diárias. Sendo que estes conceitos saem dos templos e passam a
fazer parte do dia a dia das pessoas. Mas e a Umbanda, já tem isto para assumir
seu espaço na sociedade brasileira? É claro que não, principalmente porque lhe
falta uma literatura só sua., que espelhe seus conceitos filosóficos
modeladores do caráter dos seus praticantes. Também lhe falta um código
doutrinário no qual se fundamente toda sua religiosidade. Por isso, estamos
lutando por uma literatura tipicamente umbandista, em que os seus conteúdos
sejam fixados e passados a sociedade de forma compreensível. Mas os obstáculos
são vários e alguns são de tal monta que os vemos como intransponíveis. Um desses
obstáculos é a falta de uma consciência umbandista. Ela é, talvez, o maior
impedimento a ser superado pelos dirigentes do culto caso queiram retirar a
Umbanda do gueto religioso em que ela ainda se encontra. Alçando-a à condição
de modeladora da sociedade brasileira e sustentáculo de uma consciência
religiosa pontificada pelos princípios que norteiam a espiritualidade que se
manifesta nos templos de Umbanda: o universalismo. Sim, porque o universalismo
é a tônica dos trabalhos realizados nos templos de Umbanda, onde não se admite
racismo de espécie alguma. E não se pergunta qual é a religião das pessoas que
regularmente vão tomar passes e consultar os guias espirituais. Só que esta
realidade interna da nossa religião não é passada para a sociedade e por isto o
espaço natural ocupado pela Umbanda na vida dos seus fiéis e simpatizantes não
é refletido na sociedade. Que marginaliza os menos aptos na transmissão de suas
doutrinas, sejam elas de que natureza forem. Nós sabemos que o número de
médiuns e o número de pessoas que afluem aos templos de Umbanda nos dias de
culto é elevado. Mas se podemos estima-lo em um quinto da população, no
entanto, quando observamos o espaço que a Umbanda ocupa na mídia, uma sensação
de impotência nos assoma, pois ele é nulo ... Isso quando não é negativo,
porque é patrocinado por pessoas movidas por interesses escusos ou por
adversários religiosos mercantilistas. Então, perguntamo-nos: “Por que uma
religião com tantos praticantes e com tantos frequentadores de seus cultos está
relegada ao ostracismo na mídia? Será que é por causa do nosso comodismo, do
nosso desinteresse em mostrar nosso trabalho em prol das pessoas que nos
procuram. Ou será pela falta de uma consciência religiosa e de uma
conscientização acerca do papel fundamental que temos na vida das pessoas que
frequentam nossos templos? Às vezes, assistindo a reuniões nas quais deveriam
ser discutidos os rumos de nossa religião, deparamos com a autopromoção e a
exposição de egos que desejam ser acariciados, bajulados e paparicados. E ainda
não ouvimos uma só voz que chame para si a missão de despertar a consciência
umbandista ao seu verdadeiro lugar dentro da sociedade brasileira. Já é hora de
despertarmos e olharmos para horizontes mais amplo se quisermos dar â Umbanda, enquanto
religião de massas, uma respeitabilidade que ela só alcançará se levarmos à
sociedade sua grandeza como religião espiritualizadora e modeladora de um
caráter universal, que é a tônica que a tem sustentado neste seu primeiro
século de existência. Nossa religião é a única que lida com os mistérios
divinos de forma aberta, e, no entanto, a sociedade a vê como sinônimo de magia
barata ou mesmo de magia negra. E são tão poucas as vezes que a levantam para
refutar este conceito errôneo que até são inaudíveis. Rechaçá-las nas reuniões
fechadas não adianta, porque estamos falando para nós mesmos. Então, o caminho
é conquistarmos nosso espaço e levarmos nossa mensagem universalista à
sociedade. Só assim alteraremos alguns conceitos preestabelecidos contra a religião
de Umbanda e desfaremos alguns mitos que denigrem as práticas dela. Um desses
mitos refere-se aos trabalhos com a esquerda, que deve ser abordada não a
partir do que é o senso comum, e sim a partir da verdade acerca dos espíritos
que atuam em suas linhas. Nós sabemos que associam a esquerda ao demônio
cristão com o único intuito de denegrir a Umbanda. Mas quem levantou sua voz
para desfazer o mal-estar que o termo Exu desperta nas pessoas que não conhecem
este mistério da Lei Maior? Foram poucos, não? Pouquíssimos – respondemos nós.
Afinal, não são poucos os próprios umbandistas que desconhecem este mistério e
o temem juntamente porque pessoas aptas a desmistificá-los são raras. A maioria
só o mistifica ainda mais, pois vê nele um recurso para se impor dentro do seu
meio. Quando, por intermédio do poder manifestado pelo seu guardião cósmico,
sente-se possuidora de uma força superior à de seus semelhantes. Outros usam do
poder de suas entidades para obterem reconhecimento pessoa etc. Mas a grande maioria
silenciosa atende aos objetivos da Umbanda e não vê nas suas esquerdas senão um
recurso da Lei Maior colocado a disposição dos frequentadores dos templos de
Umbanda. Porém, não podemos esquecer que é pelo elo mais fraco de uma corrente
que se avalia sua capacidade de resistência. E justamente a esquerda é o elo
mais fraco da Umbanda, pois seus detratores recorrem ao desconhecido Exu para
associar o culto de Umbanda com práticas de magia negra. Nós temos assistido a
encenações dantescas pela televisão, nas quais charlatões mistificam um dos
mistérios da Umbanda, que é Exu. Usando estas mistificações e exatamente contra
nossa religião, com o único intuito de denegrir nossos trabalhos espirituais e
nossa religiosidade. Por que esses charlatões obtêm tanto sucesso e se acham no
direito de denegrir nossa religião? Porque falta unidade entre os umbandistas.
Justamente porque lhes falta uma consciência religiosa coletiva e direcionada
para um só objetivo. Esse objetivo só será alcançado quando surgir uma língua
comum a todos os dirigentes de Umbanda. O que só ocorrerá se uma literatura
tipicamente umbandista conquistar seu espaço tanto entre os umbandistas quanto
na sociedade. Saibam que uma literatura tem o dom de disseminar o conhecimento
de uma forma útil e esclarecedora. No caso de Umbanda, esta literatura deve
atender a diretrizes impostas pelos mentores da religião. Visando a
caracterizá-la como a genuína literatura umbandista, e apoiar-se no universo
magístico da Umbanda. Seus personagens devem guardar relação com as personagens
que se manifestam nos trabalhos práticos realizados dentro dos templos de
Umbanda. Com isso, desmistificando o mistério “Exu” e dando a ele uma nova
interpretação, já dentro de um universo habitado por espíritos humanos. Veremos
que este universo não é o mesmo que os adversários da Umbanda reservaram para
Exu. Devemos fazer o que for possível para descaracterizá-lo como o campo de
ação da Umbanda. Se digo que devemos fazer o possível é porque é justamente na
própria Umbanda que temos encontrado a maior dificuldade em disseminar uma
literatura de Umbanda consequente com o intuito de criar uma consciência
coletiva de Umbanda. Fundamentada num universo pelo qual transitam nossos
Orixás e nossos guias de direita e de esquerda. O umbandista ainda não
descobriu a força que uma literatura
traz em si mesma e desconhece o poder que as letras têm como modeladoras de
consciências e disseminadoras dos conhecimentos que os mentores espirituais
gostariam de ser divulgados na forma mais fácil de assimilados: em livros. Sim,
porque em livros fala a muitos ao mesmo tempo e leva toda uma mensagem,
facilitando o trabalho dos dirigentes responsáveis pela doutrinação de médiuns.
Os nossos irmãos espíritas têm recorrido, e com sucesso, à literatura espírita Kardecista.
Durante seus cursos de doutrinação, recomendam as leituras e o estudo das
mensagens que trazem. Esperamos que o mesmo aconteça na Umbanda, abrindo ao
público o universo mágico e religioso que se manifesta nos templos espalhados
por todo o Brasil. Só assim, daqui a algumas décadas, a Umbanda, falará uma só
língua, tendo uma linguagem literária só sua a distinguirá entre tantas outra
já estabelecidas na consciência literária da sociedade civil brasileira. Só o
tempo fará surgir uma consciência religiosa coletiva dentro da Umbanda, que
será sua voz forte e audível na consciência da sociedade civil, avessa as vozes
das consciências religiosas. Pedimos compreensão e que reflitam um pouco a
respeito do que aqui está sendo comentado. E talvez percebam por que todas as
outras religiões primeiro apossam-se dos meios de comunicação, para só depois
começarem a disseminar, coletivamente, suas mensagens e suas pregações
doutrinárias. Talvez descubram que, se um doutrinador pode ensinar aos seus
filhos de Santo uma literatura de Umbanda, pode ensinar a toda uma sociedade.
Porque fala a todos em geral, sempre por meio da mente de quem apreender suas
mensagens. Perguntem-se por que poderosos grupos econômicos, sustentados por
associações religiosas, estão tão interessados em abocanhar os meios de
comunicação. Assim, talvez descubram o porquê de a Umbanda não ter acesso à
mídia e de não ter uma voz só sua a falar de seu universalismo para a sociedade
brasileira. Deixando o campo para que nossos adversários religiosos nos
sufoquem, denegrindo nossa religião. Reverter este quadro depende de os
senhores dirigentes dos templos de Umbanda conscientizarem-se de que uma
literatura umbandista é mais um recurso à disposição deles para melhor
desenvolverem suas doutrinações religiosas. Afinal, não são poucos os
dirigentes que se julgam anto-suficientes nos conhecimentos de Umbanda e não só
não recomendam a leitura aos seus filhos. Como muitos nem admitem que se leia
algum livro, porque acham que esse procedimento irá atrapalhar o médium em seu
desenvolvimento mediúnico. Mas estão enganados ao pensar assim e não percebem
que uma religião precisa do auxílio de uma literatura para perpetuar-se no
tempo, no coração e na mente de seus adeptos. Estes dirigentes, por serem
portadores de dons naturais, acham que só isso sustentará a Umbanda enquanto
religião. Mas se esquecem que de que dons são intransferíveis, enquanto os
conhecimentos de uma religião são a certeza de sua continuidade. Afinal, não
são poucos os casos de pais e mães no Santo que manifestavam dons maravilhosos
e atraíam multidões aos seus templos, onde atendiam centenas de pessoas em uma
só sessão de trabalhos. Mas quando eles desencarnaram também cessaram os
trabalhos, e tudo desapareceu. Sabem por que isso aconteceu e continuará a
acontecer ? Porque estas pessoas só se preocupavam com os fenômenos que seus
dons produziam e perderam uma ótima oportunidade de criar toda uma
religiosidade de Umbanda na mente e no coração das pessoas que as procuravam
quando precisavam do auxílio dos dons que elas manifestavam ... E achavam que
religião é isso: frequentar um templo só quando se está com problemas. Até
quando esta mentalidade predominará dentro da Umbanda? Até quando os dirigentes
de Umbanda só se preocuparão em curar os doentes? Quando será que entenderão
que os fenômenos de cura são comuns a todas as religiões, pois os mistérios
espirituais não pertencem a esta ou àquela religião em especial, e sacerdotes
portadores de dons surgem em todas elas? Até quando a Umbanda só valorizará os
fenômenos mediúnicos e relegará ao segundo plano sua missão evangelizadora e
formadora de uma moral. Um caráter e uma consciência religiosa que espelhe os
valores espirituais que a tem sustentado e que a eternizarão no tempo como uma
religião de fato? Muitos dirigentes dizem que não precisam dos livros porque
conhecem muito mais do que quem os escreve. Mas eles se esquecem e que o que
aprenderam desaparecerá assim que eles desencarnarem. Todavia um livro, este
permanecerá e será objeto de estudo para as gerações futuras. Os livros
canônicos das outras religiões são a prova do que estamos defendendo aqui. São
os modeladores da consciência religiosa de seus adeptos e fiéis, assim como
ajudam seus sacerdotes a falar uma mesma língua ao longo dos tempos, porque
todos pregam a mesma coisa o tempo todo. A Umbanda possui uma escola teórica,
que defenda uma doutrina só sua? Não respondemos nós. E isso acontece porque
muitos dirigentes decoraram as lendas a respeito dos Orixás e julgam que isso é
suficiente para a religião de Umbanda. Mas não é, irmãos! As práticas de
Umbanda pertencem à espiritualidade porque, sem o concurso dos guias
espirituais, elas não se realizam, e os fenômenos não acontecem. Já os
conhecimentos religiosos de uma doutrina umbandista, se são teóricos, no
entanto sustentarão, na fé aos Orixás, todas as pessoas que se identificam
tanto com as práticas e com a religião de Umbanda. Só que esse lado teórico que
dará sustentação à religião de Umbandista está relegado a segundo plano ou não
atrai dirigentes de Umbanda. Esses só se preocupam em cumprir sua missão e
esquecem-se de que uma religião de verdade não se descuida de seu caráter
doutrinário, porque só assim se perpetuará no coração e na mente das pessoas.
Observem isto: as pessoas só vãs aos médicos ou aos hospitais quando estão
doentes. Mas, assim que se curam, esquecem-se dos médicos que o atenderam e
esperam não ter de voltar, nunca mais aos hospitais. E isso costuma acontecer
com as pessoas que frequentam os templos de Umbanda, sabem? Mas isso só
acontece porque à Umbanda ainda falta uma consciência religiosa que olhe a
pessoa que procura seus templos como um ser humano que precisa de um amparo
maior. Que só será conseguido se despertar nele a mesma fé em Deus e o amor aos
Orixás que sustenta o médium que o atende com amor, respeito e dedicação.
Saibam que os médiuns não são os curadores de fato, são só de direita e nada
mais. Quem cura os doentes são os espíritos ou os Orixás que se manifestam
durante os trabalhos e que gostariam de ver aquelas pessoas, curadas por eles,
retornando aos templos e professando uma religiosidade equilibrada e
continuada. Muitos dirigentes de Umbanda até dizem às pessoas que os procuram:
“Você não tem mais nada. Logo, não tem por que voltar. Só volte quando sentir
necessidade” Isto eu mesmo já ouvi, irmãos. Portanto, não estou falando por
falar, e sim porque sei que assim ocorre. A esses dirigentes falta a
consciência religiosa que só formação teórica, e de nível superior, irá
proporcionar, tornando-os, realmente, sacerdotes de sua religião. Essa
consciência os estimulará a transformar os templos que dirigem em um ponto de
encontro, confluência e apoio religioso às pessoas que os procuraram quando
estavam doentes. Que gostariam de continuar a frequentá-los porque confiam nos
guias que ali se manifestam e na forma como ali a religiosidade é professada.
Mas não é isso que nós vemos acontecer, pois assim, que pessoas são curadas,
passam a ser vistas como “dispensáveis” pelos médiuns, que dizem: “Fulano já
não possui mais nada, mas insiste em vir consultar meus guias”! Isso é
consciência religiosa ou religiosidade, senhores? Não – respondemos nós. Sim,
porque nas outras religiões, quando alguém se achega, logo recebe uma gama de
sugestões para que fique em seus templos, já que possuem seus valores
religiosos. Que logo são passados ao novo fiel, o qual por sua vez logo os
manifestará no seu dia a dia. Mas na Umbanda isso não acontece porque grande
parte dos seus dirigentes não é manifestadora de religiosidade. São apenas
curadores. Não se preocupam com nada mais além de dar o socorro imediato a quem
os procura, esquecendo-se de que também devem dar um amparo a longo prazo. Que
é a doutrinação e o desperta de uma consciência religiosa em quem gosta de
frequentar seu templo de Umbanda. Esta é a diretriz que deve ser imprimida a
uma literatura tipicamente umbandista, na qual toda uma religiosidade,
consciente, perpetuar-se-á no tempo e dará sustentação a fé que os guias
espirituais despertam nas pessoas desesperançadas que os procuram pra serem
orientadas. Tendo a esperança de um dia vermos as pessoas procurando
instruir-se por meio de genuínos livros doutrinários de Umbanda, depois de
serem atendidas por médiuns conscientes da beleza espiritual da religião que
abraçaram com fé, amor e confiança. Peço a todos que não se sintam ofendidos se
algumas das minhas colocações são críticas. Desculpem-me se sou direto e vou
logo tocando nas deficiências de nossa maravilhosa religião. Todavia em mim
está consciência religiosa já despertou e tenho tentado despertá-la em outros.
Ainda que muitos dirigentes, por serem mais velhos, julguem-se os donos da
Umbanda e não aceitem a renovação dos conceitos religiosos comuns a todos os
umbandistas. Afinal, se maturidade é sinônimo de sabedoria, idade nem sempre é
sinônimo de sapiência. Digo isso porque tenho visto nos jovens umbandistas uma
vontade muito grande de aprender, enquanto nos velhos umbandistas tenho visto
um certo cansaço, de tantas perguntas que já responderam. Logo, recomendo aos
mais velhos e maduros, já cansados de ensinar individualmente, que indiquem aos
jovens curiosos a leitura de livros umbandistas. Visto que os conhecimentos
práticos, estes só mesmo os verdadeiros dirigentes espirituais dos templos de
Umbanda estão aptos a transmitir. Contudo uma boa prática não dispensa uma boa
teoria, que só os livros podem fornecer. Sendo que são escritos justamente com
objetivos de fornecer a base teórica dos trabalhos práticos realizados nos
templos de Umbanda. Abraço. Davi.
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