segunda-feira, 17 de junho de 2024

LIVRE ARBÍTRIO X PECADO ORIGINAL. Parte II

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Rosmarin (1908-1989). Capítulo III. LIVRE ARBÍTRIO X PECADO ORIGINAL. Parte II. E como resultado, o judaísmo inequivocamente ensina que o ser humano é absoluta e incondicionalmente livre em sua escolha ética de conduta. Ele não é nem justo nem perverso, mas sim, dotado para escolher qualquer caminho. O cristianismo, ao contrário do judaísmo, é baseado na doutrina do Pecado Original, a qual implica na crença da predestinação ética. Assim, enquanto o judaísmo faz da bênção rabínica “Deus meu! A alma que tu me deste é pura parte da oração diária”. O cristianismo, de acordo com a interpretação paulina, prega que todo ser humano é contaminado pela culpa de Adão e carrega o “pecado original”. De acordo com a crença cristã, o ser humano é arrastado para baixo, para a perdição do “pecado original” cuja carga é tão pesada que ele não se libera da compulsão através do seu próprio empenho ético. Com o intuito de se libertar do “pecado original”, um ato especial de “graça” é necessário, de acordo com a crença cristã. Esse ato da “graça” foi propiciado, de acordo com o cristianismo, através da imolação de Jesus como expiação pelos pecados da humanidade. Com consequência, o cristianismo não reconhece qualquer outra salvação ou redenção do pecado senão a crença em Jesus e que ele morreu na cruz do calvário, para expiar os pecados da humanidade. As diferenças entre as interpretações judaica e cristã de pecado agitou vários teólogos cristãos e estudiosos da Bíblia que, vinculados aos dogmas cristãos. Sustentam que a doutrina do Pecado Original é superior a crença judaica do livre-arbítrio e da pureza inata de toda alma. Essa diferença é geralmente enfatizada quando se compara os ensinamentos do “Velho Testamento” com aqueles contidos no “Novo Testamento”. Por isto, o falecido professor doutor Crawford Howell Toy (1836-1919) escreveu: “Devemos, portanto, considerar que o Velho Testamento não ensina que o pecado não é natureza, mas sim, uma tendência. É descrito como fraqueza, defeito, ímpeto violento, perversidade ou como cegueira e tolice.  É uma disposição ou inclinação que constantemente impele ou enfeitiça o homem a fazer o mal. Contudo, não se trata de uma total incapacidade de fazer o certo. É um inimigo sempre presente, vigilante, em alerta, porém não invencível, de modo que pode ser derrotado pelo próprio empenho do homem”. É com essa crença do “Velho Testamento” que a doutrina cristã de pecado é então comparada: “O cristianismo, entretanto, pela ênfase que dá a pecaminosidade do pecado, salientou com nitidez a debilidade moral da natureza humana e a necessidade da assistência e graça contínua de Deus. O apóstolo Paulo, sob a orientação de seu sistema, foi um passo além e formulou a doutrina da incapacidade natural do homem de praticar o bem. Na sua opinião, sob esse aspecto, o erro religioso fatal foi a crença da obediência a lei, como tábua de salvação. A incapacidade de obedecer para salvar veio a se alojar em sua mente devido a incapacidade de obedecer, e essa envolveu ou estava identificada com a incapacidade moral. Ele representa a carne – ou seja, a natureza humana normal – como absolutamente antagônica, no âmbito ético, ao espírito Divino. Sendo que, cada um desses elementos da vida, estimula desejos hostis com relação ao outro – sendo assim antagônicos. Aqui, outra diferença significativa entre judaísmo e cristianismo se torna aparente, qual seja a ênfase cristã no antagonismo entre o espírito e a “carne”. O cristianismo considera “a carne” como a sede do pecado original e, portanto, condena o corpo como o mal encarnado, oposto e hostil ao espírito. O judaísmo, entretanto, não constata antagonismo entre corpo e alma, mas proclama sua harmonia. Pois não é a “carne” que é má e pervertida, porém somente a condescendência desenfreada aos seus desejos. Consequentemente, o judaísmo não considera a mortificada e a “crucificação da carne” uma solução satisfatória do problema moral. Ao contrário, sustenta que moralidade e ética são inseparáveis da vida na carne e assim considera o cuidado e manutenção do corpo como dever religioso sagrado. Voltaremos ainda a esse assunto no capítulo V – Atitudes quanto ao Ascetismo. Por enquanto, podemos somente dizer que, juntamente com a doutrina do Pecado Original, o judaísmo também rejeita a ideia de que o corpo é inevitável e irrevogavelmente a fonte e causa da pecaminosidade. A crença judaica é que o corpo, bem como a alma, potencialmente puro. “Nada do corpo humano é impuro, todo ele é puro”. Como pressuposição e justificativa lógica para o sacerdócio e imolação de Jesus, a doutrina do Pecado Original é básica e central no cristianismo. É aceita como uma base por todas as correntes religiosa. Sustentam, que a queda de Adão transmitiu para todas as futuras gerações da humanidade, até a chegada do Reino, uma carga de culpa incontornável; a do pecado original. Essa carga é transmitida a todo ser humano no exato momento da fecundação. Não há escapatória do “pecado original” e nenhum mortal pode se libertar por seu próprio empenho, de acordo com a fé cristã. É somente através da “graça”, isto é, na crença que Deus deu “Seu único filho gerado” como um sacrifício pela culpa da humanidade, que o cristão vê a esperança de escapar da eterna perdição/condenação/maldição – a punição para o “pecado original”. O judaísmo não dá margem para qualquer semelhança com a doutrina cristã do “pecado original”. Sendo que, para um judeu, essa doutrina representa não somente a negação da religião, mas também a negação da possibilidade da ética. Ao defender o livre-arbítrio, o filósofo judeu medieval Josef Albo (1380-1444) enfatizou corretamente que o judaísmo se opõe a qualquer transgressão desse princípio. Não somente por considerações de caráter especificamente judaico, porém por esta visão ser errônea e antiética. Esclarecendo, os judeus não negam que o pecado exista, entretanto, eles se recusam a admitir que ele tenha de existir, como creem os cristãos. A Torá reconhece que existe a tentação, “mas se estás bem-disposto não jaz o pecado à porta, como animal acuado que te espreita”. Todavia, essa passagem memorável também enfatiza “podes acaso dominá-lo?” Gênesis 4,7. Assim, enquanto o cristianismo declara que o pecado domina o ser humano, o judaísmo declara que o ser humano domina o pecado. Essa então é a diferença entre judaísmo e cristianismo no que diz respeito a doutrina do pecado. O judaísmo ensina que Deus criou no ser humano a boa e a má inclinação, pois sem liberdade para pecar não existiria liberdade para agir com retidão. Por outro lado, todavia, não deve se permitir que a “inclinação pelo mal” se torne uma compulsão irresistível. Assim os rabinos ensinam que “deve se sempre estimular a inclinação para o bem em detrimento daquela para o mal”. Uma profusão de valiosos pronunciamentos talmúdicos e medievais, reiterados por pensadores e mestres judeus modernos, afirma que a inclinação pecaminosa e a tentação do pecado pode e deve ser controladas. Abraço. Davi.

 

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