Judaísmo. Livro Judaísmo e
Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Rosmarin (1908-1989). Capítulo III.
LIVRE ARBÍTRIO X PECADO ORIGINAL. Parte II. E como resultado, o judaísmo
inequivocamente ensina que o ser humano é absoluta e incondicionalmente livre em
sua escolha ética de conduta. Ele não é nem justo nem perverso, mas sim, dotado
para escolher qualquer caminho. O cristianismo, ao contrário do judaísmo, é
baseado na doutrina do Pecado Original, a qual implica na crença da
predestinação ética. Assim, enquanto o judaísmo faz da bênção rabínica “Deus
meu! A alma que tu me deste é pura parte da oração diária”. O cristianismo, de
acordo com a interpretação paulina, prega que todo ser humano é contaminado
pela culpa de Adão e carrega o “pecado original”. De acordo com a crença
cristã, o ser humano é arrastado para baixo, para a perdição do “pecado
original” cuja carga é tão pesada que ele não se libera da compulsão através
do seu próprio empenho ético. Com o intuito de se libertar do “pecado
original”, um ato especial de “graça” é necessário, de acordo com a crença
cristã. Esse ato da “graça” foi propiciado, de acordo com o cristianismo,
através da imolação de Jesus como expiação pelos pecados da humanidade. Com
consequência, o cristianismo não reconhece qualquer outra salvação ou redenção
do pecado senão a crença em Jesus e que ele morreu na cruz do calvário, para
expiar os pecados da humanidade. As diferenças entre as interpretações judaica
e cristã de pecado agitou vários teólogos cristãos e estudiosos da Bíblia que,
vinculados aos dogmas cristãos. Sustentam que a doutrina do Pecado Original é
superior a crença judaica do livre-arbítrio e da pureza inata de toda alma.
Essa diferença é geralmente enfatizada quando se compara os ensinamentos do
“Velho Testamento” com aqueles contidos no “Novo Testamento”. Por isto, o
falecido professor doutor Crawford Howell Toy (1836-1919) escreveu: “Devemos,
portanto, considerar que o Velho Testamento não ensina que o pecado não é
natureza, mas sim, uma tendência. É descrito como fraqueza, defeito, ímpeto
violento, perversidade ou como cegueira e tolice. É uma disposição ou inclinação que
constantemente impele ou enfeitiça o homem a fazer o mal. Contudo, não se trata
de uma total incapacidade de fazer o certo. É um inimigo sempre presente,
vigilante, em alerta, porém não invencível, de modo que pode ser derrotado pelo
próprio empenho do homem”. É com essa crença do “Velho Testamento” que a
doutrina cristã de pecado é então comparada: “O cristianismo, entretanto, pela
ênfase que dá a pecaminosidade do pecado, salientou com nitidez a debilidade
moral da natureza humana e a necessidade da assistência e graça contínua de
Deus. O apóstolo Paulo, sob a orientação de seu sistema, foi um passo além e
formulou a doutrina da incapacidade natural do homem de praticar o bem. Na sua
opinião, sob esse aspecto, o erro religioso fatal foi a crença da obediência a
lei, como tábua de salvação. A incapacidade de obedecer para salvar veio a se
alojar em sua mente devido a incapacidade de obedecer, e essa envolveu ou
estava identificada com a incapacidade moral. Ele representa a carne – ou seja,
a natureza humana normal – como absolutamente antagônica, no âmbito ético, ao
espírito Divino. Sendo que, cada um desses elementos da vida, estimula desejos hostis
com relação ao outro – sendo assim antagônicos. Aqui, outra diferença
significativa entre judaísmo e cristianismo se torna aparente, qual seja a
ênfase cristã no antagonismo entre o espírito e a “carne”. O cristianismo
considera “a carne” como a sede do pecado original e, portanto, condena o corpo
como o mal encarnado, oposto e hostil ao espírito. O judaísmo, entretanto, não
constata antagonismo entre corpo e alma, mas proclama sua harmonia. Pois não é
a “carne” que é má e pervertida, porém somente a condescendência desenfreada
aos seus desejos. Consequentemente, o judaísmo não considera a mortificada e a
“crucificação da carne” uma solução satisfatória do problema moral. Ao
contrário, sustenta que moralidade e ética são inseparáveis da vida na carne e assim
considera o cuidado e manutenção do corpo como dever religioso sagrado.
Voltaremos ainda a esse assunto no capítulo V – Atitudes quanto ao Ascetismo.
Por enquanto, podemos somente dizer que, juntamente com a doutrina do Pecado
Original, o judaísmo também rejeita a ideia de que o corpo é inevitável e
irrevogavelmente a fonte e causa da pecaminosidade. A crença judaica é que o
corpo, bem como a alma, potencialmente puro. “Nada do corpo humano é impuro,
todo ele é puro”. Como pressuposição e justificativa lógica para o sacerdócio e
imolação de Jesus, a doutrina do Pecado Original é básica e central no
cristianismo. É aceita como uma base por todas as correntes religiosa.
Sustentam, que a queda de Adão transmitiu para todas as futuras gerações da
humanidade, até a chegada do Reino, uma carga de culpa incontornável; a do
pecado original. Essa carga é transmitida a todo ser humano no exato momento da
fecundação. Não há escapatória do “pecado original” e nenhum mortal pode se
libertar por seu próprio empenho, de acordo com a fé cristã. É somente através
da “graça”, isto é, na crença que Deus deu “Seu único filho gerado” como um
sacrifício pela culpa da humanidade, que o cristão vê a esperança de escapar da
eterna perdição/condenação/maldição – a punição para o “pecado original”. O
judaísmo não dá margem para qualquer semelhança com a doutrina cristã do
“pecado original”. Sendo que, para um judeu, essa doutrina representa não
somente a negação da religião, mas também a negação da possibilidade da ética.
Ao defender o livre-arbítrio, o filósofo judeu medieval Josef Albo (1380-1444)
enfatizou corretamente que o judaísmo se opõe a qualquer transgressão desse
princípio. Não somente por considerações de caráter especificamente judaico,
porém por esta visão ser errônea e antiética. Esclarecendo, os judeus não negam
que o pecado exista, entretanto, eles se recusam a admitir que ele tenha de
existir, como creem os cristãos. A Torá reconhece que existe a tentação, “mas
se estás bem-disposto não jaz o pecado à porta, como animal acuado que te
espreita”. Todavia, essa passagem memorável também enfatiza “podes acaso
dominá-lo?” Gênesis 4,7. Assim, enquanto o cristianismo declara que o pecado
domina o ser humano, o judaísmo declara que o ser humano domina o pecado. Essa
então é a diferença entre judaísmo e cristianismo no que diz respeito a
doutrina do pecado. O judaísmo ensina que Deus criou no ser humano a boa e a má
inclinação, pois sem liberdade para pecar não existiria liberdade para agir com
retidão. Por outro lado, todavia, não deve se permitir que a “inclinação pelo
mal” se torne uma compulsão irresistível. Assim os rabinos ensinam que “deve se
sempre estimular a inclinação para o bem em detrimento daquela para o mal”. Uma
profusão de valiosos pronunciamentos talmúdicos e medievais, reiterados por
pensadores e mestres judeus modernos, afirma que a inclinação pecaminosa e a
tentação do pecado pode e deve ser controladas. Abraço. Davi.
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