Teosofia. Editor do Mosaico. A DOUTRINA DA
REENCARNAÇÃO NO CRISTIANISMO PRIMITIVO. Parte I. Esse texto é fruto de considerações que
fiz assistindo a uma palestra na Sociedade Teosófica aqui em Brasília - Brasil.
Você já pensou por que foi nascer no país em que atualmente mora? Por que
constituiu a família que tem hoje ou que vive nela agora? Em São João 9:
1-3 lemos "E passando Jesus viu um cego de nascença. E os seus discípulos
lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este eu seus pais para que nascesse
cego? Jesus respondeu: nem ele pecou nem seus pais, mas foi assim para que se
manifestem nele as obras de Deus". Essa escritura bíblica é para
introduzirmos alguns pressupostos da reencarnação, pois a primeira parte dele
traz uma indicação de que o homem nasceu cego devido a uma anterior situação
que não fora resolvida em sua encarnação passada. Se pensarmos logicamente
perceberemos que não há injustiça em Deus, sendo ele justíssimo, por que a
cegueira do homem? não tem sentido imaginar, que foi para que ele não visse o
quanto o mundo é injusto, e muitas pessoas são egoístas havendo mais sofrimento
que conforto. É razoável que exista coerência no sofrimento, pois do contrário
perde-se o significado da vida e o porquê estamos vivendo nesse mundo. Sem
respostas racionais ficamos presos aos conceitos dogmáticos e superstições dos
céus e inferno eterno, pouco, para certezas quanto ao sentido da vida. Não vejo
razão para duvidar da existência de Deus, pois o mundo não existe por acaso, e
indubitavelmente uma inteligência superior anterior a tudo fê-lo surgir
controlando e mantendo esse processo evolutivo cósmico. Quando observamos
particularmente as pessoas, reconhecemos que para algumas as coisas são mais
fáceis e para outras são difíceis, sendo isso uma evidência de que há um
destino (determinismo) expresso por leis de fatos e causas, onde os primeiros
resultam no segundo e nas mesmas condições à recíproca é verdadeira. Mas também
o livre arbítrio – liberdade humana – é um ingrediente importante nesse sistema
de desenvolvimento da vida e essa premissa foi postulada por Charles Darwin
(1809-1882) "A evolução é o plano que particulariza a vida". Orígenes
(182-254) de Alexandria considerado um dos Pais da Igreja defendeu em suas
apologias a ideia da reencarnação. Ele se reunia com uma comunidade de cristãos
primitivos tendo uma vida casta e piedosa, rigorosamente na observância dos
preceitos de santidade e pureza. Sua erudição e inteligência acima do normal, o
levou a escrever uma gigantesca obra que segundo fontes fidedignas incluíam
mais de 3 mil volumes de próprio punho. Trocou correspondências com Clemente de
Alexandria (150-215), Hipólito de Roma (199-217) e Irineu de Lyon (130-202)
falando sobre o tema da transmigração da alma, reencarnação e a apocatástase.
Orígenes conceituava a apocatástase - doutrina que representa a redenção e
salvação final de todos os seres, inclusive os que habitam o inferno.
Dedutivamente esse lugar para Orígenes não é eterno, mas transitório e
temporário, sendo um evento posterior ao próprio Apocalipse. A apocatástase
sintetizaria o poder do Logos ou Verbo Encarnado, ou seja, o próprio Cristo
como poder redentor e salvador que não conheceria limite algum. Essa proposta
levanta uma série de questões interessantes para o cristianismo. (1). Leva a
supor que não há um único mundo criado, o que principia no Gênesis e finda no
Apocalipse, como sugerido pelas Sagradas Escrituras. Ao contrário, em sua
atividade criadora, Deus cria infinitamente uma sucessão de mundos visíveis e
invisíveis, que só se esgotaria na apocatástase, quando todos os seres
repousassem definitivamente em Deus. (2). Nesse contexto os demônios e o diabo
caso aceitassem o seu próprio processo de expiação evolutiva, poderiam ser
salvos em sucessivas encarnações nos mundos superiores invisíveis retornando a
sua verdadeira origem que é Deus. (3). Orígenes com essa hipótese sugere que
seja estabelecido uma distinção entre o Logos ou o Verbo e sua diferenciação
como Cristo. Uma vez que Cristo é uma encarnação histórica neste mundo em particular,
estaria aberta a possibilidade de outra encarnação futura do Logos ou Verbo.
Suponho compatível com os textos sagrados cristãos, que falam de uma volta do
Logos ou Verbo, contudo, permitem questionar a divindade de Cristo, dogma comum
“absoluta verdade” no catolicismo e protestantismo. (4). Séculos após a morte
de Orígenes também chamado de O Cristão, no segundo Concílio de Constantinopla
no ano de 553, como veremos abaixo, os aspectos de sua doutrina que permitiriam
subordinar a figura de Cristo ao Logos e ao Pai, sendo assim humano e não Deus.
Rompendo também com o dogma da Santíssima Trindade, foram considerados errôneos
nesse conclave de cardeais e arcebispo. Isso se deu sem nenhum procedimento
teológico que mensurasse tão importante questão, fundamentando as possíveis
contradições na tradição ou exegese bíblica. Segundo a verossimilhança de
alguns estudiosos sobre esse tema da apocatástase, ela foi temerariamente
combatida sem argumentos razoáveis que pudessem condená-la como “heresia”.
Desde então o cristianismo se refere ao Apocalipse e não a apocatástase, mas
até 553 os cristãos consideravam a salvação de todos os seres no juízo final
como a infinita misericórdia e graça do Eterno Deus. As cartas trocadas por
Orígenes com Clemente, Hipólito e Irineu, as originais, estão guardadas em
alguns museus da Europa, segundo pesquisadores e investigadores da história da
Igreja. Essas cartas são um capítulo à parte que envolvem a política dos
interesses pessoais e eclesiásticos da Igreja Católica. Que manipulando-as
impediu o ensino sobre a reencarnação nas comunidades primitivas e dioceses nos
anos posteriores ao Concílio que aludimos. Pois segundo consta os originais que
falam sobre esse assunto foram alterados por um certo padre chamado Rufino de
Aquiléia (344-410); fato determinante no Concílio de Constantinopla II como uma
suposta contraprova da autenticidade dos escritos de Orígenes sobre esse tema.
A doutrina da reencarnação foi adotada como dogma pela Igreja até o século VI
quando no referido Concílio em 553 a questão deveria ser revisada dando-se um
parecer favorável ou desfavorável terminativo. O Imperador Romano do Oriente na
época era Justiniano I (482-565) que indiretamente exercia a chefia oficial da
Igreja Cristã Bizantina. O Papa Silvério I (480-557) por simpatizar com a
doutrina da reencarnação, e não queremos assinar o edito para que ela fosse
retirada da ortodoxia clerical foi destituído do cargo e condenado por traição,
morrendo no exílio (deixado sem pão e nem água) por inanição. Justiniano I para
referendar o Concílio de Constantinopla II (553) nomeou o Papa Virgílio
(537-555) que desobedecendo a ordem do Imperador não compareceu à sessão do
Concílio que decidiria o veto contra a doutrina da reencarnação. Assim o Papa
Virgílio foi também deposto acusado de perjuro, o que jura falsamente. Exilado
por 8 anos e de regresso à Roma morre ante de chegar à cidade. Assim o Colégio
de Cardeais sem seu representante máximo decidira à revelia excluir dos dogmas
oficiais da Igreja a doutrina da reencarnação em 5 de maio de 553. Esse é mais
um triste capítulo da história do cristianismo que sob ameaças, intrigas e
mortes aprovaram uma lei que convinha aos interesses pessoais de alguns
Cardeais e do soberano que representava o Império Romano naqueles dias. Nada
mais trivial e questionável como uma decisão desse tipo, sem critério e
desprovida de uma análise séria e conscienciosa. Além do que a autoridade
envolvida para referendar o edito era contra, sendo perseguido, humilhado e
morto. Os interesses políticos, escusos e oportunistas foram os verdadeiros
financiadores dessa fraude teológica. Mateus 5: 18 "Porque em verdade vos
digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til jamais passará
da lei, sem que tudo seja cumprido". O ensino da reencarnação que tem
pressupostos bíblicos foi desde então (553) retirado da ortodoxia oficial da
Igreja Cristã. Falamos agora a pouco dos originais do livro alterado por
Rufino, é a famosa obra De Príncipiis de Orígenes. A obra publicada em latim
com tradução para o português pela editora católica Paulus, está desconforme
nos pontos que tematizam a reencarnação da obra em grego com o título Peri
Arcon traduzida para o inglês. Assim a versão Inglesa do original grego é a
mais indicada para leitura, pois expressa o pensamento real do filósofo cristão
do século II. Evidentemente não há interesse que o público cristão em geral,
leia uma literatura de um dos pais da Igreja que defenda em suas postulações a
transmigração de almas. Orígenes adotou a doutrina de Platão (428-347) quanto a
reencarnação, que em seu livro A República diz: "Quanto a virtude a
responsabilidade é de quem escolhe, Deus está isento disso. Você é que a estima
ou despreza". Desse modo virtude e vício colhem alegria ou sofrimento,
segundo Platão uma lei universal imutável. Como dito nas Escrituras em Gálatas
6:8 "Tudo o que o homem semear isso também ceifará". O pagamento é
proporcional a dívida. Nossas dívidas, vícios e pecados, são finitas no tempo,
sendo ilógico cobrar-se juros infinitos na danação inferno eterna. O que pensar
de um Pai Deus que condena seus filhos a tortura eterna, como é dito em Marcos
9:43-47 "Se tua mão te escandalizar corta-a. Melhor é para ti entrares na
vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que
nunca se apaga. onde o seu bicho não morre e o fogo nunca se apaga". Não
sei o que dizer de um versículo tão estranho (terrível) e incompreensível
racionalmente. Nos textos da República e nos diálogos Fédon e Menon, Platão
também pensou a transmigração das almas, o qual Orígenes assume em suas
apologias. As almas existem antes dos corpos. Assim anjos, demônios, homens e
mulheres são numa visão geral, entidades que evoluíram, de mundos ou reinos
inferiores como minerais, vegetais e animais. De acordo com seus méritos e
deméritos no tempo em que singularizaram seus comportamentos e atitudes nos
mundos visíveis e invisíveis em que existiram. Desse modo os anjos são aqueles
que praticaram mais virtudes e beatitudes, os demônios exteriorizaram mais os
vícios e pecados e os homens num estágio apressado em relação aos dois grupos,
expiam (redimem) seus corpos para evoluírem ou regredirem conforme as práticas
realizadas pelos pensamentos, palavras e atitudes. Nessa perspectiva a
humanidade está em um processo de redenção individual, em que os vários mundos
possibilitarão esse ajuste ou reparação de contas a pagar e a receber. Essa era
também a visão dos Estoicos (século III AC) que afirmavam que todo o universo é
corpóreo e governado por um Logos Divino, noção tomada de Heráclito (535 AC
475) de Éfeso. A alma está identificada com este princípio divino como parte de
um todo ao qual pertence. Este Logos ou Razão Universal ordena todas as coisas.
Tudo surge de acordo com Ele, graças a Ele o mundo é um cosmo que em grego
significa harmonia. Dos Estoicos é passado a ideia de que os fins têm que ser
igual ao começo. Da gigantesca obra de Orígenes infelizmente apenas 3 volumes
resistiram as chamas que destruíram a famosa Biblioteca de Alexandria e seu
museu em (415) pulverizando o acervo inestimável de milhares de pergaminhos e
papiros que compreendiam a sabedoria humana e divina disponível para todos os
interessados e iniciados nos mistérios menores e nos mistérios maiores da
ciência oculta. A história credita esse incêndio aos autoritarismos do
imperador romano Constantino II, em comum acordo com a Igreja, que no século V
em Alexandria, no Egito, havia três comunidades que disputavam a hegemonia
religiosa e política da cidade: os judeus, cristãos e pagãos. Os últimos incluíam
os filósofos e conhecedores do saber humano, que a iniciativa e preservação da
biblioteca fora-lhes conferida. Como o culto antropomórfico – atribui
características humanas a divindade destes, causando inquietação nos demais
grupos, judeus e cristãos, instalou-se uma querela. Resumindo, foi resolvida
arbitrariamente pela igreja, expulsando os judeus e pagãos da cidade, e não
contentes apenas com esse fato. Mandaram destruir a biblioteca de Alexandria
queimando seu valioso e inestimável acervo (pergaminhos e papiros)
bibliográfico. Abraço. Davi
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