Confucionismo. Biografia de Confúcio. Memórias Históricas de Sima Qian. 4. CINCO ANOS DE ANDANÇAS. Parte I. Confúcio dirigiu-se ao país de Wei (a oeste de Lu) e parou em casa de Yen Tutsou, irmão da esposa de Tselu. O duque Ling, de Wei, perguntou quanto Confúcio recebia em Lu, sendo informado de que ele tinha um salário de sessenta mil alqueires de arroz; e o Estado de Wei passou a dar-lhe também sessenta mil alqueires. Depois de estar Confúcio em Wei por algum tempo, alguém falou mal dele ao duque, e este pediu a um cidadão, Kungsun YuChia, em uniforme militar completo, que passasse para dentro e para fora da sala ocupada por Confúcio. Confúcio entendeu-o como gentil insinuação, e saiu de Wei, onde permanecera por dez meses. Foi então para o país de Ch'en (mais a oeste) e teve de passar pela cidade de K' uang. Y enk'eh, que ia na direção, apontou com o chicote para uma fenda na muralha da cidade e observou: - "Sabei que da última vez entrei na cidade por aquela brecha." Isto foi ouvido pelos nativos, os quais julgaram tratar-se de Yang Hu, de Lu, voltando àquela cidade. Yang Hu havia sido muito cruel para com os nativos de K'uang, e por isso eles cercaram a Confúcio. O Mestre parecia-se com Yang e foi sequestrado, por cinco dias. Yen Yuen (ou Yen Huei), seu discípulo favorito, apareceu mais tarde, e Confúcio lhe disse: - "Pensei que havias sido morto." Respondeu Yen: - “Como ousaria eu ser morto, enquanto viveis?" A situação ficou pior, e os discípulos tiveram receio, mas Confúcio falou: - "Desde que o Rei Wen morreu, não está a tradição do Rei Wen (a tradição moral do Rei Wen, que encarnava o sistema ideal de governo, segundo Confúcio) em minha exclusiva posse? Pois se for desígnio dos Céus que se perca essa herança moral, a posteridade jamais terá conhecimento dela. Mas se os Céus não quiserem que essa tradição se perca, que me poderá fazer a gente de K'ueng?" Confúcio teve então licença de partir, pedindo a um de seus seguidores, o Barão Wu Ning, que fosse servir ao governo de Wei. Depois disto, atravessou P'u, onde se demorou mais de um mês, e regressou a Wei. Parou em casa de Chu Poyu (um gentil-homem idoso e culto, a quem Confúcio respeitava). A Rainha Nancia, de Wei, mandou a Confúcio uma mensagem, dizendo: "Os gentis homens estrangeiros que honram o nosso país com a sua visita, sempre me vêm ver. Posso contar com o prazer da vossa presença?" Confúcio tentou esquivar-se, mas não o conseguiu: a soberana viu Confúcio detrás de um reposteiro de linho. Confúcio entrou e inclinou-se com a face voltada para o norte; a rainha fez uma dupla cortesia, por trás da cortina, cujos pendentes de jade tilintaram. Após a entrevista, Confúcio declarou: - "Eu não pretendia visitá-la, e nós nos avistamos com o mais perfeito decoro". Tselu mostrava-se muito contrariado (pois Nancia era notoriamente devassa], e Confúcio jurou: - "Se fiz algo de mau, que o Céu me castigue! “O Céu me castigue”. Confúcio ficou mais de um mês em Wei. Um dia o duque passava com a rainha, numa carruagem guiada pelo eunuco Yung Chu, e Confúcio ia atrás, noutra carruagem (ou no assento traseiro) . Assim desfilaram pelas ruas, chamando a atenção do povo, e o Mestre observou: - "Nunca vi o povo ser tão atraído por virtuosos letrados como o é por mulheres bonitas." Confúcio considerou isso uma lástima, e saiu de Wei para Ts'ao. Nesse mesmo ano (495 A. c.) morreu o Duque Ting, de Lu. Deixando Ts'ao, Confúcio foi para Sung, onde costumava estudar com seus discípulos as práticas cerimoniais, sob uma grande árvore. Um oficial militar de Sunq, Huan Tuei, queria matar Confúcio e cortou as raízes da árvore. Mas Confúcio de repente resolveu sair de Sunq, e seus discípulos o avisaram: - "É melhor nos apressarmos." Confúcio ponderou: - "Os Céus me incumbiram de um destino (ou missão) moral. Que me pode fazer Huen Tuei?" Confúcio encaminhou-se então para Cheng (na moderna Honan Setentrional), e o Mestre e seus discípulos desgarraram-se uns dos outros. Como Confúcio se colocasse junto ao Portão Leste, sozinho, do lado de fora, alguns nativos disseram a Tsekung: - "Está, no Portão Leste, um homem de semblante parecido com o Imperador Yao, o pescoço lembra o de um antigo ministro Kaoyao, e os ombros recordam os de Tsech'an: do tronco para baixo, deve ser umas três polegadas menor que o Imperador Yu. Tem um ar desencantado, como o de um cão vagabundo, sem dono." Tsekung, relatou isso a Confúcio [quando voltaram a encontrar-se] , e o Mestre sorriu, dizendo: - "Não sei que descrições se fazem de minha figura, mas essa de eu parecer um cão vagabundo, sem dono, é boa - é muito boa!" Confúcio foi então para Ch' en [Ch' en, Cheng, Ts'ai e Sung eram muito próximas todas], onde se demorou mais de um ano, em casa de Tsentse, magistrado da cidade. O rei de Wu (grande país a sudeste, no moderno Kiangsu) invadiu Ch'en e capturou três de suas cidades. Chao Yang invadiu Chuko (494 a.C.); o exército de Ch'u sitiou T's'ai, cujos habitantes emigraram para Wu. Wu derrotou o Rei Kouchien, de Yueh, em Kuei Ch’i (mais a sudeste, no atual Chekiang). Na corte de Ch'en caiu um gavião, com uma flecha atravessada no corpo, e morreu. A flecha era feita de madeira k'u e tinha ponta de sílex, com um pé e uma polegada de comprimento. O duque de Ch'en mandou consultar Confúcio a respeito dessa flecha, e Confúcio esclareceu: - "Este gavião deve ter vindo de muito longe; essa é a flecha usada pelos bárbaros de Shushen. Quando o Imperador Wu conquistou Shang e construiu estradas através dos "Nove Yi" e dos "Homem Cento", bárbaros, impôs tributo às diferentes regiões, como sinal de perpétua homenagem. Os bárbaros de Shushen enviaram então o seu tributo em flechas de madeira k'u com pontas de sílex, medindo um pé e uma polegada. O imperador ofereceu as flechas à sua filha mais velha, em sinal de amor; ela era esposa de um Duque Yuhu, que se tornou o primeiro duque de Ch'em. Era hábito imperial dar presentes de jade aos parentes que tivesssem o mesmo sobrenome, como símbolo de afeição, e ofertar objetos de regiões distantes aos parentes que tivessem sobrenome diferente, a fim de que estes não olvidassem sua lealdade à Casa Imperial. Assim vieram ter em Ch'en as flechas dos Shushen: algumas hão de ser ainda encontradas nos velhos arquivos." E de fato, nos arquivos, acharam-se flechas semelhantes, como Confúcio havia dito. Confúcio demorou-se em Ch'en três anos. Sucedeu que os países Chin (hoje Shensi) e Ch'u (hoje Hupei) estavam em luta e não raro invadiam Ch'en. Quando o país de Wu invadiu Ch'en e Ch'ang foi atacada, Confúcio falou: - "Ah, vamo-nos embora! Os moços de nossa terra, ou são brilhantes e vagabundos, ou simplórios e esquivos; mas pelo menos não perderam sua primitiva singeleza de caráter." Assim Confúcio saiu de Ch'en, e ia passando pela cidade de P'u. Acontece que um tal Kungshu estava então promovendo uma revolução em P'u, e o povo rodeou Confúcio, tinha ele, todavia, um discípulo de nome Kungliang Ju, que o seguia com cinco carros. Kungliang Ju era alto, hábil, e notável pela sua bravura. Disse ele a Confúcio: - "Pois não é o destino? Da última vez que eu vos acompanhei a K'uang metemo-nos em encrenca, e agora complicamo-nos de novo. Desta vez vou brigar até o fim." Travou-se uma luta furiosa, e os nativos de P'u amedrontaram-se, prometendo libertar Confúcio desde que ele prometesse não ir a Wei - pelo que Confúcio jurou lá não ir. Saiu então pelo Portão Leste, mas dirigiu-se diretamente a Wei. "Ora, pode-se, pois, quebrar uma jura assim?" - inquiriu Tsekung. "Por certo, foi uma jura feita sob coação, o que não agrada aos deuses" - respondeu o Mestre. O duque de Wei ficou satisfeitíssimo ao saber que Confúcio estava de volta, e dirigiu-se aos subúrbios a fim de dar-lhe as boas-vindas. "Achais que eu poderia atacar a cidade de P'u?" - indagou o duque. "Sem dúvida" - respondeu Confúcio. E o duque: - "Meus ministros julgam desaconselhável. porque P'u nos serve de defesa contra Chin e Ch'u. De fato, não será desaconselhável atacarmos?" Confúcio replicou: - "Os cidadãos de P'u estão prontos a defender sua terra até o último homem, e as mulheres estão igualmente dispostas a defender suas casas. O que desejaríamos punir são quatro ou cinco líderes rebeldes." "Muito bem" - ponderou o duque, e P'u não foi atacada. O duque estava já velho e não dava conta de seus afazeres, mas não tencionava colocar Confúcio no poder. Confúcio suspirou e disse: -"Se alguém me puser no poder, precisarei apenas de um mês (para estabelecer os fundamentos de uma nova ordem), e em três anos terei conseguido enormes resultados." Então Confúcio deixou Wei. Um tal Pi Hsi era o magistrado de Chungmou (no país de Chin) , e o Barão Chien Chao, em luta contra Fan Chunghsing, atacou a cidade. Pi Hsi rebelou-se e mandou a Confúcio uma mensagem, pedindo-lhe que fosse ajudá-lo. Confúcio pensava ir, mas Tselu protestou: - "Mestre, eu ouvi, de vossa boca, que um gentil-homem não entra no país cujo governante tem má vida pessoal. Como é que ides agora ajudar esse rebelde Pi Hsi, em Chungmou?" Confúcio respondeu: - "Sim, aquilo eu disse de fato. Mas também se diz que uma coisa realmente dura não teme amolecer-se e uma coisa realmente branca não teme manchar-se. Serei, aliás, alguma cuia seca, para ficar pendurado a uma parede, sem comida (durante dias)?" Confúcio estava tocando um instrumento musical de pedra, o ch'inq, quando passou por sua porta um homem com um cesto de vime e disse: - "Como pode alguém deleitar-se a tirar música de uma pedra, assim... Gente estúpida, não se enxerga: que hei de dizer de uma tal pessoa?" Uma vez Confúcio estava aprendendo a tocar o ch'in (instrumento de cordas) com o professor de música Hsiantse, e em dez dias parecia não ter avançado muito. O professor lhe disse; - "É melhor, agora, aprenderdes algo diferente." E Confúcio retrucou: “A melodia eu já sei, a batida e o ritmo é que me falta aprender." Após algum tempo mais, o professor disse: "Agora já aprendestes a batida e o ritmo, vamos passar a outro ponto." "Ainda não aprendi a expressão"- reclamou Confúcio. Mais tarde, voltou o professor a falar: - "Agora já aprendestes a expressão." E Confúcio: - "Falta-me ainda conceber a personalidade do compositor." No fim de algum tempo, voltou o professor: - "Por trás dessa música há um homem, ocupado em profundas reflexões, e que às vezes olha mais longe, fixando o espírito rumo ao eterno." "Já sei: é um homem alto, escuro, e sua mente é como a de um construtor de impérios - será alguém que não o Rei Wen, em pessoa [o fundador da Dinastia Chou]?" O professor de música levantou-se do seu assento e inclinou-se perante Confúcio, dizendo: - "Pois esta é a música do Rei Wen."
quinta-feira, 10 de julho de 2025
CINCO ANOS DE MUDANÇAS
A essa altura Confúcio percebeu que nada tinha a fazer em Wei, e dirigiu-se a Chin para encontrar o Barão Chien Choa. Ao chegar à margem do Rio Amarelo, teve notícia da morte de Tu Mingtu e Shun Hua. Ficou parado, à beira da água, e suspirou: - "Como o rio é, belo: flui eternamente! Quis o destino que eu não o atravessasse." "Que quereis dizer?" - indagou Tse kung, aproximando-se. E Confúcio falou: - "Tu Mingtu e Shun Hua eram bons ministros de Chin. Antes de chegar ao poder, o Barão Chien Chao havia dito que insistiria em tê-los consigo; agora está ele no poder, e matou-os. Ouvi dizer que quando o povo provoca abortos ou mata crianças, o unicórnio recusa-se a aparecer em suas terras, e quando o povo esvazia o tanque para pegar peixe, o dragão recusa-se a pôr em harmonia os princípios de yin e yang (que regem a carência e a abundância), e quando o povo profana os ninhos dos pássaros e quebre-lhes os ovos, a fênix recuse-se a vir. Por quê? Porque um gentil-homem repudia os que matam seus semelhantes. Ora, se até os pássaros e os animais fogem do que não presta, com mais razões não o faria eu?"[2] Então regressou Confúcio à aldeia de Tsou, e aí compôs uma peça musical para instrumento de cordas, intitulada Tsou Ts'eo, em homenagem aos dois bons ministros mortos. Daí voltou para Wei, e parou em casa de Chu Poyu. Um dia o duque de Wei consultou-o sobre tática militar, e Confúcio lhe respondeu: - "Sei algumas coisas sobre cerimônias e sacrifícios, mas das ciências da guerra nada sei." No dia seguinte, enquanto Confúcio falava com o duque, este casualmente desviou o olhar e fitou os gansos selvagens voando no céu, sem parecer dar atenção ao Mestre. Por isto Confúcio partiu, rumo a Ch'en. No verão desse ano (493 A. C.), o duque morreu, sucedendo-o no trono seu neto Cheh, conhecido como o Duque Ch'u de Wei. Em junho Chao Yang dera abrigo a Kuei Huei, o primogênito, em Ch’i. [3] Yang Hu enviou então oito homens, trajando luto, para dar as boas-vindas a Kuei Huei, fingindo que vinham buscá-lo de volta ao seu ducado, em reconhecimento aos seus direitos; essa delegação carpia à maneira dos funerais, e em vista disso Kuei Huei permaneceu em Ch'i. No inverno o Estado de Ts'ai transferiu sua capital para Choulai. Isso foi no ano terceiro do Duque Ai, de Lu (492 A. C.), quando Confúcio contava sessenta anos de idade. O Estado de Ch'i mandou então um exército para ajudar a Wei no cerco da cidade de Ch’i[4], onde estava exilado o Príncipe Kuei Huei. No verão, o templo ancestral de Huanli incendiou-se e Nankung Chingshu concitou o povo a conter as chamas. Confúcio encontrava-se em Ch'en, nessa ocasião, mas ao ter notícia do fato ponderou que certamente o templo ancestral de Huanli devia mesmo pegar fogo (porque o culto de Huanli era contra as normas da antiga ordem feudal). Mais tarde verificaram que Confúcio tinha razão. No verão o Barão Huan Chi adoeceu e dirigiu-se à cidade de Lu. Ao avistar as muralhas, suspirou: - "Lu teve possibilidades de tornar-se um Estado forte, mas infelizmente perdeu-as porque eu ofendi a Confúcio." Voltou-se então para o seu herdeiro, o Barão K' ang Chi, e falou: - "Sei que, quando eu morrer, sereis o primeiro-ministro de Lu; quando o fordes, chamai Confúcio de novo ao governo." Poucos dias mais tarde faleceu o Barão Huan e o Barão K'ang o substituiu. Após os funerais, ia ele fazer vir Confúcio, mas seu irmão Yu falou: - "Nosso finado pai uma vez conferiu a Confúcio um posto de mando e ele próprio deixou de mandar, dando assim motivo de riso aos outros duques. Agora, se vais colocá-lo no governo outra vez e perdes a tua posição, também darás razão de riso aos outros chefes de Estado." "E quem sugeres, então?" - perguntou o Barão K'ang. "Manda buscar Jan Ch'iu" (discípulo de Confúcio) - foi a resposta. Saiu então um emissário à procura de Jan Ch’iu. Quando Jan Ch'iu estava prestes a partir, Confúcio disse: - "Se o povo de Lu convida Ch'iu, há de ser para outorgar-lhe autoridade de fato e não um pequeno cargo”. E ainda, nesse dia, falou: - "Vamos, vamos para casa! Os moços de nossa terra, ou são brilhantes e vagabundos, ou simples e esquivos. O material é bom, eu preciso moldá-lo," Tsekung sabia que Confúcio cogitava desse retorno, e ao despedir-se falou a Jan Ch’iu: - "Quando te achares no poder, manda buscar Confúcio." Abraço. Davi
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