Hinduísmo. Srimad Bhagavad Gita - Canto do Senhor. Por Swami Vijoyananda. PREFÁCIO II. Por natureza um yogui é equânime, desapegado, misericordioso, sempre ativo e vive fazendo o bem a todos. Conhecedor do segredo da vida e da morte, unido definitivamente com Deus, sua presença santifica tudo. Só o verdadeiro yogui sabe que a vida e a morte são como borbulhas, flutuando no eterno oceano da imortalidade. O Gita é conhecido também como Brahma Vidia, o conhecimento do Supremo e como Moksha-Shastra, o tratado sobre a emancipação final. Ainda que o texto comece com a persuasão de Arjuna, para que cumpra com seu dever de liderar a causa da retidão, vemos em seguida que a mensagem de Sri Krishna é a Suprema Verdade. Os problemas tratados neste sagrado texto são essencialmente espirituais e as soluções dadas pelo Senhor nos preparam para a Verdade, só pela qual poderemos liberar-nos de nossa errônea identificação com o mundo relativo e transitório e recuperar nossa esquecida divindade. Sri Krishna responde claramente as perguntas de Arjuna sobre Deus, o ser individual, a vida ou a existência após a morte, a evolução, a matéria, a alma, o dever, etc., etc. Aqui o homem foi tratado como uma entidade integral; suas ações e seus pensamentos não podem ser separados de sua existência. Seu pensamento fugaz ou sua ação trivial não podem ser avaliados se não conhecemos a base de sua existência. Como qualquer ação sua, seu pensamento, expressado ou não, produz o efeito correspondente e se é egoísta o amara ainda mais a esta roda de nascimento, sofrimento e morte; o contrário o conduz à liberação. O propósito dos ensinamentos de Sri Krishna é eliminar as dúvidas e idéias ilusórias que oprimem ao homem em sua vida diária. Estas dúvidas, estas ilusões, irão só pela realização da Verdade; então o homem sentindo intimamente a presença de Deus em seu coração afrontará todos os problemas relacionados ao dever. O Gita declara que Deus é universal, que o universo é Sua manifestação. Disse Sri Krishna: “Suas mãos e pernas estão em toda parte; Seus olhos, cabeças e rostos estão em toda parte; Seus ouvidos estão em todos os pontos; Sua existência interpenetra e cobre tudo o que existe”. Ao mesmo tempo, para o necessitado que pede socorro, Deus é a misericórdia, a meta e o suporte; Ele é o Senhor e a eterna Testemunha de Sua própria manifestação; Ele é a morada de todos, o refúgio acolhedor e o Amigo. Disse Sri Krishna: “Sou a origem e o fim”. Deus é a força impessoal por trás do universo; Ele é a luz das luzes; é Sua a luz que está no sol, na lua e no fogo; é Ele o que ilumina o universo. Ele está no coração do homem como conhecedor e como o conhecimento; só à Ele conhece o homem em diversas formas e idéias. Ele suporta ao macrocosmo e ao microcosmo. Mas Sua verdadeira natureza é transcendental e está além da compreensão humana; só uma fração Sua está manifestada como o universo. Esta Suprema Consciência, esta existência transcendental, por Sua própria vontade aparece diante do homem e lhe diz: “Ó Kounteya, declara ao mundo que Meu devoto jamais perece”. Ele diz ao Seu devoto: “Aceito tudo o que Me ofereces com devoção, seja uma folha, uma flor, uma fruta ou ainda uma gota de água”. É a pura devoção que leva ao homem primeiro à Deus Pessoal e 6em seguida, purificando-o de toda limitação individual, o une com Deus Impessoal e o libera definitivamente da ignorância, do medo e da morte. Existem intelectuais que opinam que religião atua como ópio, que adormece ao homem e o faz esquecer a realidade da vida. À eles aconselhamos a cuidadosa leitura do Bhagavad-Gita sem idéias préconcebidas. Aqui o instruído encontrará que o Senhor recomenda ao aspirante espiritual a aço abnegada, contínua e incessantemente; esta ação é a que purifica o coração de um homem e ao mesmo tempo o salva de mais apegos. Somente as ações abnegadas produzem resultados bons e duradouros. A advertência de Sri Krishna para aqueles que confundem a vida espiritual com a inércia é: “Teu motivo para trabalhar não deve ser a ansiedade de obter o fruto da ação, nem dever aderir-te à inação”. A vida religiosa separada da vida diária é uma coisa estéril, algo sem sentido, talvez um adorno vistoso, uma ação sobreposta, um gesto de ostentação. Se o significado de ‘ser religioso’ é pertencer nominalmente a uma instituição religiosa, sem fazer o esforço de sentir a viva presença de Deus no coração, então toda sua ida aos templos foi em vão, toda sua leitura das escrituras sagradas foi inútil e sua vida de “parecer” teve muitas complicações. Freqüentemente estes religiosos, em seu afã de apresentar sua doutrina particular, se tornam fanáticos e inconscientemente causam a ruína e fazem sofrer aos demais. Apesar de tanta prédica religiosa, a maioria dos religiosos, vivendo uma vida afastada de Deus, não sentem a fraternidade humana porque não compreendem nem aceitam que Deus Pessoal ou Impessoal é sempre Universal e que todos os seres humanos são Sua manifestação. A inércia, a indolência e a inadvertência são os três inimigos mais poderosos do ser humano. São mais daninhos que a maioria dos atos pecaminosos. Sri Krishna queria salvar à Arjuna de seu desejo encoberto de escapar de seus deveres, com o pretexto de levar a vida pacifica de um ermitão. Como todos os homens estão convencidos da limitada idéia de individualidade, também o grande Arjuna pensava que não lutando poderia transformar imediatamente seu caráter de guerreiro e apagar de sua mente todas as impressões passadas. Com paciência Sri Krishna convenceu à Arjuna de que cumprindo desapegadamente com seu dever imediato de destruir aos inimigos que representavam a injustiça, entenderia melhor o ideal humano e para isso era melhor enfrentar a crua e desapiedada realidade. Ensinando à Arjuna o poder das ações passadas, Sri Krishna lhe diz: “Ó Kounteya, alucinado, o que não queres fazer agora, depois o farás mesmo assim, pois estás atado ao teu karma (impulso da vida passada), nascido de tua natureza”. Atuar ou cumprir desapegadamente o dever de cada um, segundo o ambiente em que nasceu, não é contraproducente na vida espiritual. Se o instrutor espiritual, cumprindo desapegadamente seu dever de ensinar se emancipa, o açougueiro que serve ao povo matando animais, cumprindo com seu dever sem apego, logrará idêntica emancipação. O verdadeiro inimigo da vida espiritual é a ignorância que nos fez esquecer que somos seres sempre livres e nos fez acreditar que somos limitados e mortais. 7Essa ignorância é a mãe do apego, do medo, da ilusão, da debilidade, da dependência e de todos os tipos de limitações. O dilema principal de Arjuna se apresentou com respeito ao dever. Quando no campo de batalha viu com seus próprios olhos, que entre os inimigos estavam seus parentes e amigos, até seu próprio instrutor, lhe surgiram as seguintes idéias: É necessário e benéfico cumprir com os deveres mundanos, quando produzem pesar e sofrimento à si mesmo e aos demais? Não seria melhor abandonar estes deveres e seguir o caminho da renúncia? Um momento antes, decidido, Arjuna havia ido disposto a lutar; um momento antes ele sabia muito bem quem eram seus adversários que, segundo ele, eram representantes da injustiça e colaboradores de seu primo havia usurpado o trono de seu irmão mais velho. Mas quando os viu frente a frente, Arjuna esqueceu seu dever, seu coração se encheu de medo e falsa compaixão e muito deprimido começou a falar com muita emoção, sentimento e raciocínio adequado. Através de suas palavras, aparentemente sábias, mas realmente egoístas, demonstrando seu grande apego, confusão e ilusão, Arjuna queria convencer Sri Krishna de que ele preferia a morte a matar aos seus inimigos. Mas o onisciente Sri Krishna viu a momentânea debilidade de Arjuna e por isso, quando este se sentou no carro de guerra e soluçando disse: “Ó Govinda, não vou lutar”, Sri Krishna lhe respondeu com firmeza: “De onde vem esta tua indigna debilidade, não-ariana, baixa e contrária ao logro da vida celestial? Você está lamentando-se pelos que não o merecem, no entanto falas como um sábio. Os verdadeiros sábios não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos.” Sri Krishna não predicou à Arjuna o ideal dos estóicos, cumprir o dever só pelo dever; porém predicou que o cumprimento do dever tem um só propósito: purificar o coração para desfrutar da infinita bemaventurança da Presença Divina. Deus é imanente no universo, como a alma de todos os seres e objetos. Cumprir o dever equivale à adoração de Deus. Ao que considera o dever desta forma, pouco lhe molestam as idéias de êxito ou fracasso, ele desfruta como um instrumento vivente nas mãos de Deus e não sofre nem se desespera pensando de antemão em sua própria morte e na dos demais; seu conhecimento por estar em contato com Deus é uma ditosa percepção permanente. Ainda que o Gita seja um compendio de todas os yogas, no entanto Sri Krishna recomenda como disciplina espiritual o Karma yoga, o caminho da ação. Para o aspirante espiritual a ação deve ser abnegada, desapegada e sem esperar os frutos. Este tipo de ação destrói radicalmente todas as limitações do Ser. Viver significa atuar, pensar é atuar; pela ação o homem expressa a si mesmo. Sri Krishna disse: “Ó Partha, Eu não tenho nenhum dever que cumprir, não há nada nos três mundos que não haja logrado ou que Me falte lograr, no entanto, atuo constantemente”. Talvez seja possível para o egoísta retirar-se da ação, cobiçando o estado de inércia, mas para aquele que ama a humanidade não há descanso possível e por isso vemos que as Encarnações jamais deixam de atuar. Como não têm nenhum motivo pessoal, a ação para as 8Encarnações é dar curso à misericórdia que às vezes nos alenta e outras vezes nos corrige com severidade. Em troca o homem comum tem diferentes motivos. Segundo o motivo progride ou retrocede; quando trabalha para sua auto-satisfação, robustece seu egoísmo e inconscientemente retrocede, de modo gradual, à animalidade. Em troca, quando atua de forma abnegada, como instrumento de Deus, sabendo muito bem que o único ator é Deus, então todo sua ação é para agradar à Deus, seu Bem-amado. Toda ação ou pensamento egoísta forja um novo elo na grande corrente com que estamos atados à dolorosa existência deste mundo de nascimento e morte e todo ação ou pensamento dedicado a Deus, como uma ininterrupta adoração, rompe esta corrente, nos conduz à emancipação final, à ditosa união com Deus. O Karma yogui conhece o segredo da ação, é equânime, desapegado, não espera, nem aceita, nem rechaça o fruto da ação. Sri Krishna ensinou à Arjuna que qualquer ação pode ser feita como yoga, mesmo a ação de matar que objetivamente parece cruel, violenta e desapiedada, sempre que se faça como uma prática de yoga, sentindo-se como um instrumento de Deus, sem temor, sem esperar a vitória para si mesmo ou para uma comunidade particular e atuando só para estabelecer a Verdade, a retidão; estão, esta ação, em lugar de produzir demérito, purifica ao homem e o conduz à emancipação. Este mundo transitório de aparência, nome e forma está constituído de pares de opostos: bem e mal, prazer e dor, virtude e vício, calor e frio, vida e morte. Como a frente e o verso de uma mesma medalha, cada parte depende de sua contraparte. Nosso conhecimento ou percepção de qualquer idéia ou objeto deste mundo é indireto e comparativo; conhecemos ao homem comparando-o aos outros seres, sentimos o frio comparando-o com o calor. Não há dúvida de que o mundo é imperfeito. O muito desejado mundo perfeito é ilógico porque chegando à perfeição, o mundo se diluirá em sua origem: Deus. Tudo que é objetivo é imperfeito, só Deus, o Eterno Sujeito, é perfeito. Progresso significa a transformação do objeto no sujeito. Deus, o eterno imã, está nos atraindo continuamente, nosso dever é purificar-nos. O sábio hindu diz que nossa origem é Deus e que existimos em Deus. Deus, em seu estado manifestado, não perde Sua Divindade. No Bhagavad-Gita, Sri Krishna reforça a idéia do swa dharma, o dharma de cada um. A palavra dharma é difícil de traduzir. A religião, a retidão e o dever, nos dão certa idéia aproximada de seu significado. Dharma é o que suporta ao homem na vida e ao mesmo tempo o ajuda a realizar sua verdadeira natureza: a Divindade. O grande erro do homem é continuar considerando-se como um objeto composto de aspectos ou entes biológicos, fisiológicos e psicológicos. Para corrigir este grande erro, o homem necessita praticar o swa dharma. As tendências atuais de cada homem são o resultado de seus próprios pensamentos e ações em vidas passadas. Cada pensamento ou ação produz uma impressão que forma parte da natureza subconsciente do homem. Este estado subconsciente não se destrói com a morte física, este estado é o “eu” do homem. A 9atual encarnação do homem foi causada pelo impulso dessas impressões; são elas que determinam seu caráter, seu dever, sua idéia de religião, seu critério de bom e de mal, do correto e do injusto. Nenhum homem nasce com a mente absolutamente pura, mesmo o nascimento das encarnações demonstra que Elas, voluntariamente aceitam certa impureza. A diferença entre a individualidade da Encarnação e a de qualquer homem é que a Encarnação é sempre consciente de Seu estado universal e de Seu voluntário e momentâneo estado individual. Em troca, o homem comum é inconsciente de ambos estados. Terminada a missão com que vem ao mundo, a encarnação deixa Sua individualidade. Ao homem comum, ao princípio, custa muito desfazer-se de sua individualidade, mas logo o faz pela misericórdia Divina, que age como o grande destruidor da ignorância. A educação ou o impacto do ambiente ajuda ao homem a desenvolver as qualidades que ele mesmo fabricou e com as quais veio ao mundo. Seus pais são causas instrumentais, que lhe proporcionam o meio físico para dar curso ao seu dharma. Eles são como os ceramistas e a roda que dá forma ao vaso. Assim que o dharma de cada ser humano é a base de seu pensamento e ação; ele não pode desfazê-lo. Ir contra este dharma é criar confusão. Arjuna ficou confundido quando quis deixar o swa dharma do kshatriya, cujo dever é proteger aos corretos e destruir aos injustos. Sua confusão surgiu, quando esquecendo seu dharma, quis levar vida de ermitão. Tampouco devemos esquecer o outro aspecto do dharma, o que nos ajuda a realizar nossa Divindade, senão dharma significaria desapiedada fatalidade. A lição de Sri Krishna é que ninguém deve agir contra o swa dharma, o dever do ambiente em que nasceu. Cumprindo abnegadamente com o dever, o homem gasta o impulso com que nasceu e dedicando toda sua ação a Deus, não cria novos impulsos. Então compreende que o supremo dever é adorar a Deus. Diz Sri Krishna: “Renunciando a todos os deveres, refugie-se em Mim unicamente. Não te aflijas, Eu o salvarei de todos os pecados.” Abraço. Davi
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