sexta-feira, 30 de maio de 2025

POR QUE AS COISAS RUINS ACONTECEM

Cristianismo. www.suaescolha.com.br. POR QUE COISAS RUINS ACONTECEM? Por que as pessoas ficam com câncer? Por que existem terremotos que destroem cidades inteiras? Por que as pessoas têm de trabalhar tão duro para mal ter dinheiro suficiente para alimentar suas famílias? No subconsciente, provavelmente fazemos perguntas desse tipo muitas vezes. Mas, conscientemente, é raro fazermos. Estamos tão ocupados vivendo as nossas vidas que raramente paramos e temos curiosidade de saber POR QUÊ. Então, alguma coisa acontece para nos despertar. Nossos pais se divorciam. A garota da rua de baixo é sequestrada. Um parente descobre que tem câncer. Isso nos acorda por um pouco de tempo. Mas depois podemos novamente nos afundar na negação, isto é, até que outra tragédia aconteça, outra inconveniência. Assim tendemos a pensar: Alguma coisa não está certa aqui. Algo está muito, muito errado. A vida não era para ser assim! Então, POR QUE coisas ruins acontecem? POR QUE o mundo não é um lugar melhor? Existe uma resposta para a pergunta POR QUE, encontrada na Bíblia. Mas não é uma resposta que a maioria das pessoas gostam de ouvir: o mundo é do jeito que é porque é o mundo que nós, de certo modo, pedimos. Parece estranho, não? O que ou quem poderia fazer este mundo diferente do que ele é? O que ou quem poderia garantir que a vida seja livre de dor, para todo mundo, o tempo todo? Deus poderia. Deus poderia dar conta disto. Mas ele não o faz. Pelo menos não agora. E, em consequência disso, estamos zangados com ele. Nós dizemos: “Deus não pode ser todo poderoso e completamente amoroso. Se ele fosse, este mundo não seria do jeito que é. Dizemos isso com a esperança de que Deus vá então mudar de atitude sobre esta questão. Nossa esperança é que, colocando um sentimento de culpa nele, ele vá mudar a sua maneira de agir. Mas Deus não parece mover um dedo. POR QUE ele não age? Deus não vai se mover — ele não vai mudar as coisas agora — porque está nos dando o que pedimos: um mundo onde nós tratamos Deus como se ele estivesse ausente e fosse desnecessário. Lembra-se da história de Adão e Eva? Eles comeram o “fruto proibido”. Este fruto era o conceito de que eles poderiam ignorar o que Deus disse ou deu a eles, e começar uma vida separada de Deus. Adão e Eva tiveram a esperança de que seriam como Deus, sem Deus. Eles compraram a ideia de que havia alguma coisa mais valiosa na existência do que o próprio Deus, algo que valesse mais a pena do que ter um relacionamento pessoal com Deus. E o sistema deste mundo — com todos os seus defeitos — veio como o resultado da escolha que eles fizeram. A história deles é a história de todos nós, não é? Quem já não disse — se não em alta voz, pelo menos em seu coração — “Deus, eu acho que posso fazer isso sem você. Eu só quero fazer sozinho. De qualquer forma, obrigado pela oferta”. Todos nós tentamos fazer a vida dar certo sem Deus. Por que fazemos isso? Talvez porque todos nós compramos a ideia de que exista algo que valha mais a pena, que seja mais importante, do que Deus. Para pessoas diferentes as coisas são diferentes, mas o modo de pensar é o mesmo: Deus não é o mais importante na vida. De fato, posso viver minha completamente sem ele. Qual é a resposta de Deus para isso? Ele permite. Muitas pessoas experimentam consequências dolorosas da escolha de outros ou da sua própria escolha que vão contra os caminhos de Deus (…) assassinato, abuso sexual, ambição, mentira/fraude, calúnia, adultério, sequestro, etc. Todas essas coisas podem ser explicadas por pessoas que recusaram dar a Deus acesso e influência em suas vidas. Vão vivendo as suas vidas da maneira que acham melhor, e eles e outros sofrem. Qual é a posição de Deus sobre tudo isso? Ele não é orgulhoso. De fato, Deus pode ser corretamente visto como aquele que toma a iniciativa, com compaixão, esperando que nós voltemos para ele para que então possa nos dar uma vida de verdade. Jesus disse: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso”. (Mateus 11,28) Mas nem todos têm o desejo de ir até ele. Jesus comentou sobre isso quando disse: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que são enviados a ti! Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas não quisestes.” (Mateus 23,37) Mais uma vez, Jesus traz à tona o assunto sobre nosso relacionamento com ele: “Falando novamente ao povo, Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” (João 8,12). Mas e quando a vida é injusta? E quanto a essas horríveis circunstâncias que nos atingem na vida; são causadas por alguém que não nós mesmos? Quando nos sentimos vítimas, é de alguma utilidade sabermos que Deus enfrentou tratamentos horríveis dos outros. Deus entende mais do que ninguém o que você está passando. Não há nada na vida que possa ser mais doloroso do que o que Jesus enfrentou pelo nosso bem; quando ele foi abandonado pelos seus amigos, ridicularizado por aqueles que não iriam acreditar nele, surrado e torturado antes da crucificação; depois pregado na cruz, numa vergonhosa exibição pública, morrendo lentamente asfixiado. Ele nos criou, e ainda assim permitiu que a humanidade tivesse liberdade para fazer isso, para cumprir as Escrituras e para nos libertar do pecado. Nada foi surpresa para Jesus. Ele sabia do que estava por vir; sabia antecipadamente de todos os detalhes, de toda a dor, de toda a humilhação. “Enquanto estava subindo para Jerusalém, Jesus chamou em particular os doze discípulos e lhes disse: ‘Estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para que zombem dele, o açoitem e o crucifiquem. No terceiro dia ele ressuscitará.'” (Mateus 20,17-19) Imagine saber que algo assim tão terrível vai acontecer com você. Jesus entende o que é angustia emocional e psicológica. Na noite que Jesus sabia que iriam prendê-lo, ele foi orar, mas levou alguns amigos com ele. “Levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes então: ‘A minha alma está profundamente triste até à morte. Fiquem aqui e vigiem comigo. Indo um pouco mais adiante, prostrou-se sobre seu rosto e orou: ‘Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mateus 26,37-39) Embora Jesus confiasse em seus três amigos, eles não entendiam a profundidade de seu tormento, e quando Jesus retornou da oração, os encontrou dormindo. Jesus entende o que é passar por extrema dor e tristeza sozinho. Isso está aqui resumido, como João descreve em seu evangelho: A Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dela, mas o mundo não a reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não a receberam. Contudo, aos que a receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus”. (João 1,10-12) “Pois Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para Não há dúvida de que existe dor e sofrimento neste mundo. Um pouco deles podem ser explicados pelo egoísmo, ações odiosas da parte de outras pessoas. Outros casos desafiam uma explicação nesta vida. Mas Deus nos oferece ele mesmo. Deus nos dá conhecimento de que ele também enfrentou isso, e está ciente da nossa dor e de nossas necessidades. Jesus disse aos seus discípulos: “Deixo-lhes a paz; a minha paz lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbem os seus corações, nem tenham medo”. (João 14,27 ) Existem muitas razões para ter medo, se perturbar, mas Deus pode nos dar sua paz, que é maior do que o problema diante de nós. Afinal Ele é, Deus, o Criador, Aquele que sempre existiu, Aquele que criou o universo num estalar de dedos. Ainda mesmo, em todo seu poder, ele também é aquele que nos conhece intimamente, até mesmo nos menores e insignificantes detalhes. E se confiarmos a ele com as nossas vidas, tendo fé, embora encontremos dificuldades, ele irá nos guardar em segurança. Jesus disse: “Eu lhes disse estas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo”. (João 16,33) Ele passou por uma das piores ameaças – a morte – a venceu. Ele pode nos ajudar a passar pelas circunstâncias difíceis da vida, e nos dar a vida eterna, se confiarmos nele. Nós podemos ainda passar por esta vida com ou sem Deus. Jesus orou: “Pai Justo, embora o mundo não te conheça, eu te conheço, e estes sabem que me enviaste. Eu os fiz conhecer o teu nome, e continuarei a fazê-lo, a fim de que o amor que tens por mim esteja neles, e eu neles esteja”. (João 17,25-26). Para descobrir como você pode começar um relacionamento com Deus, por favor, leia o artigo Conhecendo Deus pessoalmentewww.suaescolha.com.br. Abraço. Davi

quarta-feira, 28 de maio de 2025

REVISITANDO O JARDIM DO ÉDEN

Judaísmo. REVISITANDO O JARDIM DO ÉDEN. “E plantou o Eterno, D’us um jardim no Éden, no Oriente, e lá colocou o homem que criou. E, fez brotar da Terra, o Eterno, D’us, toda árvore cobiçável aos olhos e apetitosa ao paladar, e nesse jardim estava a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”. Gênesis 2: 8-9. A história do Jardim do Éden – Adão e Eva e a serpente, e da partilha do fruto proibido é universal em seu escopo. Apesar de ser uma história da Toráh, não é dirigida exclusivamente ao Povo Judeu. Envolveu pai e mãe de toda a humanidade, pertencendo, portanto, a todos os seres humanos de todas as gerações. De fato, o ocorrido no Jardim do Éden, não constituiu um evento singular em um passado longínquo; constitui uma história recorrente na vida de qualquer homem e qualquer mulher. A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O pecado de Adão e Eva é por demais conhecido. Enquanto viviam no Jardim do Éden, tinham permissão para comer de todas as árvores, exceto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. D'us previne Adão que a consequência de se violar a proibição seria a morte. Mas, a despeito do severo alerta, Eva se deixa seduzir pela serpente e partilha do fruto proibido, o qual, mais tarde, oferece ao marido e a todos os animais. Em decorrência disso, a morte é introduzida no mundo e Adão e Eva são banidos do Éden para sempre. O mais peculiar em todo o incidente é a natureza da proibição, em si. Por que razão haveria de ser proscrito o conhecimento e associado ao pecado e à morte? A superioridade do homem perante os demais reinos reside não apenas em sua capacidade espiritual, mas também na mental. Com efeito, essa mesma Torá, que conta a história de Adão e Eva, exacerba o valor supremo do aprendizado e da busca pelo saber e pela verdade. Como diz o Talmud, quem possui conhecimento, tudo possui; quem não o possui, nada possui. Outro problema intrigante é o argumento usado pela serpente para convencer Eva a provar do fruto proibido. Era verdadeira a sua alegação de que "No dia em que do fruto comeres, teus olhos se abrirão e serás como D'us, que conhece o bem e o mal". Isto traz à tona a pergunta: por que razão D'us, que criou o homem à Sua imagem, não quis que desfrutasse de parte de Sua sabedoria? Ao tentar responder a tais perguntas, é preciso, primeiro, conhecer mais sobre a natureza do primeiro homem e da primeira mulher. Antes de incidir em pecado, a existência física do homem era pura santidade. Como nos ensina Rabi Shimon bar Yochai (século II), autor do Zohar, até o mais espiritual dos seres humanos na História não consegue se equiparar à estatura espiritual de Adão. Ele nasceu para ser imortal e para viver livre de preocupações, esforços e sofrimentos. Sua missão consistia em tornar o Éden mais perfeito e poderoso para que tal perfeição e força pudessem estender-se por todo o mundo. Adão nasceu sem maldade; mas isso não significa que o mal não existisse no mundo. De fato, o antagonista na história – a serpente – era a própria encarnação do Mal. Os livros místicos sugerem que a serpente, que também personificava a Árvore do Conhecimento, estava exasperada pela imunidade humana ao mal. Ressentia-se do fato de o homem viver livre dos conflitos e tormentos, e, por isso, tentou atraí-lo para um círculo vicioso de luta e sofrimento. Várias outras são as explicações para o que teria levado a serpente a tentar Eva, mas esta, em especial, alinha-se com os ensinamentos cabalísticos de que o mal sente uma irresistível atração pela bondade. Parasita por excelência, o mal se alimenta de santidade e é a bondade o que lhe dá sustento e significado. Exemplificado de forma simplista: o homem malvado apenas ascende ao status de "super vilão" quando se lança em guerra contra um "super-herói"; caso contrário, não passa de um simples malfeitor. De modo similar, o Mau Instinto não demonstra grande interesse nos indivíduos que com ele naturalmente se alinham. Ao invés disso, não mede esforços tentando atrair os bons e puros. Isto explica o ensinamento talmúdico de que "quanto maior o homem, maior seu instinto maligno". É por isso que Adão e Eva foram presa fácil da tentação: o Mau Instinto sobre eles lançou potentes forças hostis que os levaram a pecar. Uma das lições óbvias do episódio da Árvore do Conhecimento é que o homem tem atração pelo que lhe é proibido. A Torá reconhece que (…). "As águas roubadas são doces (…)" (Provérbios, 9: 17) - ou seja, é do gênero humano cobiçar o proibido. O fruto proibido se tornou uma metáfora, um símbolo da atração e do fascínio pelo pecado. Desde o Jardim do Éden, isto tem sido uma realidade na vida de praticamente todos os seres humanos. Para alguns, pode tratar-se de algo tão mundano quanto o alimento que não deve ser ingerido; para outros, pode ser uma tentação mais destrutiva, como um relacionamento proibido. Mas, qualquer tentação empalidece face ao que a serpente, falando em nome da Árvore do Conhecimento, ofereceu a Adão e Eva. O partilhar do fruto proibido significava a realização do maior desejo dos homens: a capacidade de se parecer a D'us – controlar o próprio destino e exercer poder sobre o mundo. Sem dúvida, a perspectiva mais atraente que pode ser oferecida a um ser humano: a possibilidade de "cruzar a barreira", de ir além e se tornar divino. Desde os dias de Adão, o homem tem tentado fazê-lo. Atrai-o a magia, o conhecimento esotérico, o misticismo, tudo na esperança de se sobrepor às dimensões do humano. À semelhança de outros vilões da história, a serpente foi fiel à sua palavra. Entregou o que prometera. Assim que Eva e Adão comeram do fruto da Árvore do Conhecimento, passaram a possuir algo que era reservado a D'us, algo com que nem mesmo os anjos mais elevados contavam - o livre arbítrio. Por ter provado do fruto do bem e do mal, descobriram dentro de si novas aptidões, tornando-se fatores mais dinâmicos no Universo. Como D'us, ganharam o poder de querer, criar e destruir. A serpente demonstrou astúcia extraordinária, pois contou a verdade a Eva – mas não a contou por inteiro. Após daquele fruto comer, o homem efetivamente passou a conhecer o bem e o mal; mas, ao contrário do Criador e dos seres espirituais, ele interiorizou tal conhecimento. Os animais não são dotados de livre arbítrio, nem os anjos, que são meros mensageiros divinos, e, portanto, impenetráveis ao mal. O homem, vulnerável a qualquer influência, não tem o dom de conhecer o maligno e permanecer imune ao mesmo. Uma vez tendo provado do fruto proibido, pode continuar sendo boa pessoa, mas jamais recuperará a inocência perdida. Não há riqueza nem sabedoria, por maior que seja, que possa restaurá-la. Em vista do que acabamos de discutir, podemos tratar do motivo para que o fruto da Árvore do Conhecimento fosse proscrito. Como se pode prever, as respostas são várias. Uma destas diz que o homem não foi criado para saber tudo. De fato, quantas pessoas excelentes e talentosas caíram vítima da confusão intelectual e espiritual, do vício e do comportamento destrutivo, simplesmente por buscarem conhecer e experimentar tudo o que a vida lhes tinha a oferecer? Adão foi proibido de comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal porque o homem não tem condições de se manter totalmente alheio e imune àquilo com o que tem contato. D'us sabia que se o homem viesse a conhecer a maldade os resultados seriam desastrosos, pois ele ficaria atraído pelo mal. E foi exatamente o que ocorreu. Após sentir o gosto do fruto proibido, bem e mal se fundiram no interior de Adão e Eva. Na língua hebraica, a palavra lada'at – “conhecer, saber” -  contém um elemento emocional. O versículo que aparece no mesmo capítulo do relato sobre a Árvore do Conhecimento – e que conta que "Adão conheceu Eva, sua mulher” – não contém um eufemismo, como se pensa. Pelo contrário. Conta-nos que um relacionamento físico entre duas pessoas nunca é completamente desvinculado de um elemento emotivo relacional. Assim o ensinou Rashi, clássico comentarista da Toráh: "Conhecer alguém é amá-lo". E como o amor é um vínculo mais profundo do que qualquer ato da mente ou do intelecto, conhecer algo significa estabelecer uma conexão com este algo. O homem foi criado para jamais conhecer o mal, assim como há situações às quais nenhuma criança jamais deveria ser exposta. Mas desde o pecado de Adão e Eva, a maldade se tornou parte intrínseca de seus descendentes. Sequer importa o que se pensa sobre isto – se o indivíduo desfruta do mal ou se este o repulsa. O simples ato de conhecer implica em arcar com as consequências. D'us queria que o homem continuasse santificado, como fora criado, e que não caísse presa da tentação. Pois que a presença da maldade no homem, especialmente em pessoa boa e conscienciosa, é fonte de contínuo sofrimento. É difícil ser bom e, mais ainda, ser espiritual, pois, no decorrer da vida o ser humano frequentemente se encontra diante da escolha entre duas alternativas terríveis: a frustração de um desejo não realizado ou - infinitamente pior - o amargo gosto do pecado, a dizer, a culpa e a vergonha e o temor da retribuição, quer humana quer Divina. Desde que provou do fruto proibido, o homem se tornou uma mescla entre bem e mal, luz e escuridão. Explica o Tanya, obra clássica da Cabalá, que o mal se manifesta, no homem, de inúmeras formas: como desejo pelo proibido; como orgulho e raiva indevidos; como depressão e indisposição para fazer o certo; e, talvez o mais frequente, como frivolidade e desperdício – em outras palavras, o uso inadequado da capacidade, energia e tempo que D'us confiou a cada um de nós. Somente Tzadikim Gamurim – homens e mulheres perfeitamente justos, como Avraham, Moshê Rabenu e Rabi Shimon bar Yochai - são totalmente destituídos de maldade. Mas, infelizmente, tais seres são raríssimos e mesmo esses podem errar. Ademais, mesmo o Tzadik Gamur é forçado a viver em um mundo em que coexistem bem e mal, no qual este ser "justo e puro" se vê cercado de situações em que sempre há uma opção reprovável, não importa em que ambiente se encontre. Consta que Moshê perdeu a paciência em várias ocasiões. Sua fúria, sem dúvida, foi uma falha de comportamento; mas as situações a que foi submetido não lhe permitiram agir de outro modo. A expressão da raiva foi o único meio que encontrou para corrigir alguns dos problemas surgidos em meio ao povo judeu durante sua jornada de 40 anos a caminho da Terra Prometida. Um dos temas atemporais na história de Adão e Eva é o fato de que, desde o Jardim de Éden, todos nós, em maior ou menor grau, mantemos um relacionamento de amor e ódio com a serpente. Como está na Toráh, "Na porta jaz o pecado; e a ti fazer pecar é o desejo do Mau Instinto; mas tu podes dominá-lo" (Gênese, 4: 7). A serpente aparece de diferentes formas para diferentes pessoas. Muitos seres humanos, como o primeiro casal da Terra, sucumbem a seu encantamento. Outros conseguem dominá-la. Mas, à exceção dos Tzadikim Gamurim, os justos perfeitos, a humanidade é fascinada pela mesma. Isto explica a razão para a mídia e a indústria do entretenimento nos sufocarem de notícias e imagens, a cada dia mais violentas e impróprias: fazem-no porque atraem nosso interesse, mesmo que em sã consciência consideremos repulsivas as imagens em outras palavras, a serpente. Se o homem apenas fizesse o que Eva devia ter feito, a dizer, ignorar a "tentação", esta "serpente" perderia sua razão de existir e acabaria desaparecendo. Não nos referimos, aqui, ao mal que se manifesta de forma explícita no mundo e que deve ser combatido e vencido. Estamos falando da "serpente" que vive dentro de cada um de nós. Esta não pode ser vencida enquanto estivermos obcecados, nela pensando e falando. Esta se encolhe e morre somente depois que o homem transfere seu pensamento para outros assuntos, de preferência mais elevados, os quais, pela própria natureza, são diametralmente opostos aos argumentos e tentações lançados pelo Mau Instinto. Banidos do Jardim do Éden. Pouco após comer da fruta da Árvore do Conhecimento, Adão e Eva são expulsos do Jardim do Éden, pois D'us não permitiria que o homem "estendesse sua mão, retirasse algo da Árvore da Vida, o ingerisse e vivesse para sempre". O motivo de sua expulsão traz à tona outra pergunta: por que o homem não podia comer da Árvore da Vida e viver para sempre, eliminando a maldição imposta pelo pecado inicial? Porque a Árvore da Vida não poderia servir como antídoto. Apenas agravaria o problema, pois, uma vez incorporado o mal no ser humano, a Vida Eterna significaria que também o mal viveria para sempre. Há uma história no Zohar que elucida a ideia. Consta que Rabi Acha, de Kfar Tarsha, tentou expiar uma pestilência em uma aldeia queimando incenso. Disseram-lhe que aquilo era inútil, pois os habitantes do vilarejo não haviam expiado seus próprios pecados. Tivessem eles demonstrado arrependimento, a oferenda do incenso promoveria a expiação; caso contrário, apenas serviria de paliativo para desaparecerem os sintomas, mas jamais traria cura à peste. De forma similar, o fruto da Árvore da Vida poderia curar a morte - sintoma do pecado – mas não o pecado em si. Após o pecado de Adão e Eva, era preciso corrigir as consequências de seu ato. Os limites entre bem e mal tinham sido confundidos não só no homem, mas em todo o mundo. Daí ter D'us expulso o ser humano do Jardim de Éden para que fosse cultivar a terra. Para corrigir o dano que causara, o homem teria que refinar o mundo, extirpando o bem que havia no mal. Isto só é alcançado através do cumprimento dos Mandamentos Divinos, meio pelo qual Ele ensinou ao homem o que não fazer, de modo a não aumentar as forças do mal. E pelo qual também determinou quais as ações a realizar com a matéria física, de modo a que o bem que há no mundo pudesse ser espiritualmente elevado. Neste ponto, a identidade do fruto proibido adquire relevância. Com certeza, esse fruto não era a maçã. Entre nossos Sábios predominava a opinião de que se tratava de uvas, que Eva comeu e utilizou para fazer vinho, que então serviu ao companheiro. Como as uvas foram o elemento físico envolvido no pecado inicial, ajudamos a retificar espiritualmente sua utilização imprópria mediante a oração do Kidush, com vinho santificar o Shabat e as festas judaicas. E, assim fazendo, a mesmíssima fruta que foi consumida em pecado é usada em um ato de santificação para proclamar que D'us é o Criador do mundo e para santificar Seus dias sagrados. A isto se chama, na Cabalá, Tikun retificação espiritual. Esta retificação do mundo ocorre quando o homem santifica o mundo físico, utilizando seus elementos com propósito sagrado. Por exemplo, quando o couro é usado para fazer os Tefilin, realiza-se um ato de fissão espiritual: são liberadas as centelhas sagradas existentes na matéria física. Se isso ocorresse constantemente se o ser humano apenas fizesse o certo sem nunca errar a "serpente" definharia até a morte, por inanição. O pecado de Adão e Eva seria, então, retificado e suas consequências luta e sofrimento e morte - deixariam de ser parte integral da vida. O banimento do homem do Jardim do Éden acabou sendo mais uma consequência do que uma punição. Ele teria que trabalhar com afinco para reparar o dano causado a si próprio e ao mundo. E pode-se dizer que até mesmo a praga de que "com o suor de teu rosto comerás o teu pão" não veio isenta de alguma bênção em seu interior. Pois o trabalho é o que dá significado à vida do ser humano. E o que se consegue com muita facilidade, dificilmente é valorizado. A serpente, grande vilã e instigadora, foi punida com exatamente o oposto - uma praga terrível que mais parece uma bênção. Diferentemente do homem que precisa se empenhar para ganhar o seu sustento, a serpente é amaldiçoada por D'us a buscar na terra a sua sobrevivência. De relance, isto parece uma bênção: como o solo é tão abundante, o réptil jamais passará fome. Mas, no íntimo, este decreto é o próprio significado do inferno. A serpente pode ser comparada a um filho que cometeu uma maldade tão monstruosa que leva o pai a expulsá-lo de casa. E lhe diz: "Eu o criei e, portanto, não posso deixá-lo morrer de fome. Por isso, dou-lhe agora todo o dinheiro de que necessitará, na vida, para que nunca mais me procure - pois jamais quero tornar a vê-lo ou saber de seu paradeiro". Aqui jaz outra grande lição na história do Éden. Por vezes, D'us provê pessoas malvadas de tudo o que necessitam e desejam porque Ele não deseja contatos com esses indivíduos. Ao mesmo tempo, muita gente boa passa por dificuldades na vida exatamente pelo fato de D'us se preocupar em ouvir suas preces. Ele sente falta desses Seus filhos e quer ver melhorar o seu comportamento, ligando sua alma a Ele por meio da prece, do estudo da Sabedoria Divina e da realização de atos de caridade e bondade. A pergunta de D'us a Adão. Ao estudar a história do Jardim do Éden, não podemos esquecer um princípio básico no judaísmo: sob circunstância alguma acreditamos na existência de poderes independentes; nada, nem mesmo o Mal, consegue se opor a D'us. A serpente personificou o Mau Instinto, que é o próprio Anjo da Morte. E, por se tratar de um anjo – simples mensageiro de D'us – entranhado na carne de um animal, este não possuía livre arbítrio. O castigo da serpente simboliza a maldição que é lançada contra os malfeitores, especialmente aqueles que influenciam terceiros a fazer o mal. Já que a serpente, agindo em nome da Árvore do Conhecimento, apenas desempenhava sua tarefa, podemos especular - como ousaram fazer alguns comentaristas – que D'us teria feito propositalmente com que Adão e Eva deslizassem, caindo em pecado. Pois se D'us não desejasse que o homem comesse do fruto proibido, por que razão teria criado a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal? A resposta não pode ser o "livre arbítrio", porque vimos acima que antes do pecado original, o homem não fora agraciado com esse dom divino. E, assim, ao contrário do que sugerimos acima, talvez o homem não tenha nascido para viver livre do mal. Como ensinam os livros místicos, se D'us tivesse desejado que o homem fosse perfeito, que orasse e estudasse a Toráh todas as horas do dia, ele poderia ter criado milhões de anjos mais, que nada fazem além de O servir e louvar. Ao invés disso, criou um ser diferente dos anjos e dos animais - uma criatura que pode livremente escolher entre o bem e o mal. Não fosse o pecado original, isto jamais teria sido possível. Como explica o Tanya, D'us permitiu que existisse o mal porque sem este o homem viveria sem se esforçar. Se não houvesse batalhas, não haveria vitórias. A existência humana adquire significado na batalha entre o bem e o mal: a bondade ganha força quando luta e vence o Mau Instinto. Retornando a uma analogia acima utilizada, um vilão necessita de um super-herói para justificar sua existência. Mas o oposto também é verdadeiro: se não houver vilões, para que heróis? O homem é a jóia da coroa da Criação porque, contrariamente a todas as demais criaturas, ele pode vencer batalhas interiores, em sua alma, e optar por fazer o certo - a despeito de todas as tentações, interiores e exteriores, com que sempre se defronta. Uma história que reflete o que talvez seja a maior mensagem que D'us nos transmite através do relato sobre o Éden envolve o autor do Tanya, Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1813). Enquanto encarcerado em uma prisão russa - após a falsa acusação de atividades subversivas contra o Czar - ele foi submetido a intenso interrogatório. As autoridades carcerárias sabiam tratar-se de um grande erudito e filósofo, daí terem-no engajado em horas a fio de discussões teológicas e filosóficas. Certa vez, o investigador chefe lhe perguntou: "Sua Toráh relata que após o pecado de Adão, comendo do fruto da Árvore do Conhecimento, D'us o confronta com a pergunta: 'Onde estás?' D'us obviamente sabe onde estão os homens!" O Rebe, Baal HaTanya (o mesmo Rabi Shneur Zalman), retrucou: "Você acredita que a Toráh é eterna e que suas lições se aplicam a todos os homens, em todas as épocas? Quando o russo respondeu que sim, o Rabi Shneur Zalman começou a explicar: 'Onde você está' é o chamado de D'us a todos os homens da Terra. Ele está perguntando: 'Em que ponto de sua jornada você se encontra?'. Cada um de nós recebeu tantos dias e tantos anos na Terra, e portanto é necessário nos perguntarmos, constantemente, o que conseguimos realizar nesses anos e quanto de bem contribuímos ao mundo". A pergunta de D'us a Adão, pai de toda a humanidade, ecoa na eternidade. Continua a ser constantemente feita a todo ser humano. Quando o homem ousa respondê-la - quando percebe que não veio ao mundo por acaso, mas foi enviado por D'us para aqui cumprir uma missão Divina, ele atinge um nível mais alto de conscientização e embarca em um caminho que o levará a uma existência mais significativa. Esta percepção do homem - de que D'us o chama e sente sua falta, de que espera que ele faça algo construtivo e belo de sua vida e de seu mundo - esta percepção é o início de uma jornada longa e árdua, às vezes dolorosa, mas que o conduzirá de volta ao Jardim do Éden. www.morasha.com.br. Abraço. Davi.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

CONFÚCIO - DOS TRINTA AOS CINQUENTA ANOS

Confucionismo. A Biografia de Confúcio. Memória Histórica de Sima Qian. 2. DOS TRINTA AOS CINQUENTA ANOS. Confúcio regressou então, de Chou, para a sua terra, Lu, e mais e mais discípulos acorreram a estudar com ele. Por essa época o Duque P'ing, de Chin, foi escorraçado; seus ministros, em número de seis, tornaram o poder e entraram a propiciar incursões armadas para leste do país. O Rei Ling, de Ch'u, (cujas terras ficavam a sudoeste de Lu) possuía um poderoso exército que dominava a China. Ch'i era um vasto país vizinho (ao norte). Lu era um país pequenino e fraco: se se aliasse a Ch'u, Chin haveria de zangar-se, e se se aliasse a Chin, seria a vez de Ch'u invadir suas terras; e se deixasse de fortalecer suas relações com Ch'i, também Ch'i invadiria o país... No ano vigésimo do Duque Chao, de Lu (522 A. C.), quando Confúcio contava já trinta anos (ou vinte e nove, pela contagem inglesa), o Duque Ching, de Ch'i, veio em visita a Lu com seu Ministro Yen Ying. E o Duque de Ch'i perguntou a Confúcio: - "Como é que o Duque Mu, de Ch'in, pode dominar os outros países, sendo o seu país tão pequeno e estando situado nos confins do Império?" E Confúcio respondeu: "Ainda que Ch'in fosse pequeno, grande era a sua ambição; e ainda que estivesse num confim remoto, seus interesses foram conduzidos de acordo com os princípios morais. O duque tirou Poli Hsi da prisão e elevou-o à categoria de nobreza; depois de confabular com ele por três dias, confiou-lhe o governo. Eis como o duque chegou ao poder: poderia ter-se feito rei e não apenas ditador dominando os demais Estados." O Duque de Ch'i gostou da observação de Confúcio. Quando Confúcio tinha trinta e cinco anos (517 a. C.)o Barão P’ing, de Chi, desagradou ao Duque Chao, de Lu, numa questão com o Conde Chao, de Hou, a propósito de uma briga de galos; e o Barão P'ing, juntamente com os dois outros barões de Lu , o Barão Meng e o Barão Shusun, atacaram o duque; perdeu este a luta e fugiu para Ch’i, onde lhe deram um distrito em Kanhou. Pouco depois o país de Lu caiu em desordem, e Confúcio foi para Ch’i, onde serviu como secretário do Barão Chao Kao na esperança de estabelecer ligação com o duque de Ch'i. Também discutia com o Mestre de Música, em Ch'i: aí escutou a música de Hsiao (de bailado simbólico, atribuída a um antigo Imperador Shun, 2255-2204 a. C.) e tentou aprendê-la. Durante três meses absteve-se de carne; o povo de Ch'i ficou muito impressionado. Um dia o duque interpelou-o e Confúcio respondeu: "O rei devia ser como um rei, os ministros como ministros, os pais como pais e os filhos como filhos." "Ora!", retrucou o duque, e Confúcio prosseguiu: "Se o rei não é como um rei, os ministros não são como ministros, os pais não são como pais. e os filhos não são como filhos... como hei de comer, embora alimentos não falte aos país?" De outra feita, voltou o duque a interpelar Confúcio sobre o que seria um governo bom, e ele respondeu:- "O bom governo consiste em restringir os gastos do Estado." A resposta agradou ao duque, e estava ele disposto a confiar a Confúcio a terra de Nich'i, quando o ministro Yen Ying lhe falou: - "Os Ju (mais tarde identificados com os confucionistas) são maus exemplos a seguir, dada a sua loquacidade; e são maus súditos, dado o seu orgulho personalista. Suas doutrinas dificilmente se aplicariam ao povo, pela ênfase que dão aos funerais e pelo seu vezo de permitir que uma família vá à bancarrota apenas para custear um enterro dispendioso. Também são maus governantes, porque entram logo a pregar, a pedir e a tomar empréstimos. Desde que morreram nossos grandes homens e a Dinastia Imperial de Chou começou a decair, nossa música e os nossos rituais degeneraram ou ficaram parcialmente esquecidos; agora vem Confúcio com a sua insistência a respeito de vestes cerimoniais e detalhes de ritual e etiquetas da corte. Uma pessoa pode gastar a vida inteira em tais estudos sem chegar a esgotá-los, e pode levar anos e anos sem chegar a conhecer todos os rituais e cerimônias. Eu então pergunto se é aconselhável pôr Confúcio no poder e alterar os costumes do país, tendo em vista os interesses do povo." Depois disto o duque passou a receber polidamente a Confúcio, sem nunca mais consultá-lo sobre cerimônias e ritos tradicionais. Um dia o duque lhe disse, com a visível intenção de mantê-lo no país: "Não lhe posso oferecer o posto do Barão Chi, mas vou dar-lhe uma posição entre os dos Barões Chi e Menq." Os nobres de Chi conspiravam contra Confúcio, e este chegou a sabê-lo. O duque falou-lhe: "Lamento ser velho demais para pôr em prática as vossas doutrinas." Confúcio afastou-se e regressou a Lu. Quando Confúcio tinha quarenta e dois anos (511 A. C.), o Duque Chao, de Lu, morreu no exílio em Kanhou. O Duque Ting substituiu-o: e no verão do seu quinto ano de governo. O Barão P'inq, de Chi, morreu, sendo sucedido por seu filho, o Barão Huan. A essa altura, conta-se que Confúcio era consultado, como historiador emérito, a respeito de certos objetos desenterrados. Uma dessas consultas foi sobre ossos animais descobertos durante a demolição de um muro da cidade; um dos ossos, dizia-se, era do tamanho de uma carruagem, talvez restos de algum dragão, e o rei interessado enviou de longe um mensageiro para indagar de Confúcio que ossos seriam aqueles - ao que Confúcio prontamente respondeu, com seus vastos conhecimentos de história antiga. O Barão Huan tinha um secretário favorito, de nome Chungliang Huai, o qual tinha uma rixa com Yang Hu (também citados nos ANALECTOS como Yang Ho), e este último queria expulsá-lo da cidade, não o fazendo por intervenção de Kungshan Puniu. Yang afinal prendeu-o, e o Barão Huan protestou, e em vista disto Yang meteu-o na prisão e fê-lo assinar um compromisso, antes de soltá-lo: daí por diante, Yang procedia com a maior arrogância em relação ao barão. Mas por sua vez o Barão Huan Chi também usurpara a autoridade do duque, de maneira que o governo de Lu ficou entregue aos barões. O país mergulhou num estado de confusão moral, desde os fidalgos até os plebeus, e Confúcio resolveu não se imiscuir no governo. retirando-se, em vez disso, para estudar ou para editar livros de poesia, história, rituais e música. O número de seus discípulos crescia rapidamente, e muitos procediam de longínquas regiões do país. Abraço. Davi



sábado, 24 de maio de 2025

CONFÚCIO - ANTEPASSADO, INFÂNCIA E JUVENTUDE

Confucionismo. A Biografia de Confúcio. Memória Histórica de Sima Qian. INTRODUÇÃO. O que se segue é uma tradução da vida de Confúcio, constante do Shi-ki, escrita por Szema Ch'ien, que viveu cerca de trezentos anos depois do Mestre (145-85 (?) A. C.) A tradução desse documento é importante por duas razões. Primeiro, é a mais antiga e de fato a única apresentação biográfica coerente de Confúcio, e consta do grande livro padrão da história chinesa, tendo sido escrita por um homem reconhecido como o pai dos historiadores chineses, além de prosador exímio. A autoridade do Shi-ki é inquestionável e Szema Ch’ien viajou muito e visitou pessoalmente o lugar onde nascera Confúcio e falou com velhos cidadãos que mantinham viva a antiga lenda sobre Confúcio. Trata-se, portanto, de um esboço da existência de Confúcio o mais bem­ acabado que se poderia obter. Em segundo lugar, Szema Ch’ien era um espírito extremamente arejado e imparcial; portou-se como historiador, e não como advogado do Confucionismo a tomar partido nas questões. Embora manifestando sua profunda admiração por Confúcio não se fez adepto incondicional da escola confuciana. Daí resultou dar-nos-ele um retrato de Confúcio homem, mais que de Confúcio santo, e não poucos críticos confucianos já tentaram torcer o sentido de certas passagens dessa biografia com interpretações artificiosas, às vezes mesmo negando-lhe sem motivo a exatidão histórica. Em todo caso, podemos aceitá-la como um belo retrato de Confúcio, tal como cabia no espírito dos mais doutos letrados daqueles tempos, quase três séculos depois de Confúcio. 1. ATEPASSADOS, INFÂNCIA E JUVENTUDE. [551-523 a.C.]. Confúcio nasceu na cidade de Tsou, condado de Ch'angping, no país de Lu. Seu mais remoto ancestral era K'ung Fangshu (descendente em nona geração de um rei de Sung e ascendente de Confúcio em quarta geração). Fangshu foi pai de Pohsia, e Pohsia foi pai de Shuliang Ho. Ho foi o pai de Confúcio, em união extraconjugal com uma jovem de família Yen[1]: ela orou no monte Nich'iu e concebeu a Confúcio em resposta à sua oração, no vigésimo segundo ano do Duque Hsiang de Lu (551 A. C.). Quando Confúcio nasceu, apresentava uma notável saliência na cabeça, e por isto o apelidaram Ch'iu (quer dizer "monte"). Seu primeiro nome era Chungni, e o sobrenome K'ung ("Confúcio" significa "K'ung, o Mestre"). Logo que Confúcio nasceu, morreu-lhe o pai e foi enterrado em Fanqshan, na parte oriental de Lu (em Chantung). E assim Confúcio ficou em dúvida quanto ao lugar do túmulo de seu pai, pois sua mãe escondera dele a verdade. Enquanto criança, ele gostava de brincar de celebrar sacrifícios e realizar cerimônias rituais. Quando lhe morreu a mãe, enterrou-a provisoriamente na Rua dos Cinco Patriarcas, até que uma anciã, a mãe de Wanfu de Tsou, informou-o da localização da sepultura de seu pai, e então Confúcio enterrou juntos seus progenitores, em Fangshan. Certa vez o Barão de Lu, Chi, oferecia um banquete aos letrados da Cidade, e Confúcio ia passando, ainda de luto. Yang Ho, um oficial sem caráter, acercou-se de Confúcio para intrigar: "O barão está dando um banquete aos letrados, e não se dignou convidar-vos”. Então, Confúcio partiu. Quando Confúcio tinha dezessete anos, o Barão Li Meng adoeceu. Em seu leito de morte deu a seu filho, o Barão Yi Meng, o seguinte conselho: "K'unq Chiu (Confúcio ) é descendente de um grande fidalgo. A casa dos K'ungs foi destruída no país de Sung (os ancestrais de Confúcio foram expulsos por seus rivais e emigraram para o país de Lu). Seu grande antepassado, Fufu Ho, foi o primogênito do Duque de Sung, mas abdicou o trono em favor do irmão. que se tornou O Duque Li. Numa geração posterior, Chenqk'aofu assistiu os Duques Tai, Wu e Hsuan, de Sung, no governo. Sua humildade cresceu com suas três promoções sucessivas. Assim, a trípode da casa de K'ung ostentava esta inscrição: "Com a primeira promoção, curvo a cabeça; com a segunda promoção, curvo o pescoço; e com a terceira promoção, curvo a espinha, e ando pelos cantos, e ninguém ousa insultar-me. Aqui tenho o meu arroz, e aqui tenho a minha sopa, com que alimento a minha boca." Tal era a sua humildade. Ouvi dizer que os filósofos devem surgir das casas de grandes homens, embora eles não estejam no poder. Agora K'ung Chiu é jovem e um grande interessado em estudos históricos. Quando eu morrer, deves ir a ele e segui-lo." E quando faleceu o velho, o Barão Yi, seu filho, foi estudar com Confúcio, bem como Nankung Chingshu (certamente seu irmão mais moço). Nesse ano morreu o Barão Chi, de Lu, e seu filho Tai sucedeu-o no trono. Confúcio nasceu de família comum e pobre, mas quando cresceu chegou a fiel do celeiro em casa do Barão Chi, fazendo-se notar pela excelência de suas medidas. Também lhe foram confiadas as reses e as ovelhas, e os rebanhos rapidamente se multiplicaram. Promoveram-no então a Ministro das Obras Públicas - mas logo deixou ele o seu país natal, Lu, e foi descerimoniosamente expulso do país de Ch'i, expulso de Sung e de Wei, e andou em dificuldades e em perigo pelos subúrbios entre Ch'en e Ts'ai. Ao cabo de tais andanças, tornou a Lu. Confúcio media nove pés e seis polegadas de altura (a antiga unidade de medida havia de ser muito mais curta, pois ao Rei Wen atribuía-se uma altura de dez pés), e toda a gente maravilhava-se com a sua figura reconhecida como a de "um homem alto". O governo de Lu sempre fora cortês para com ele, e por isto ele regressou a Lu. Seu discípulo Nankung Chingshu pediu ao governante de Lu permissão para uma viagem à capital imperial, Chou. O Duque de Lu deu-lhes uma carruagem com dois cavalos e um pajem, e assim foram ambos a Chou, estudar as cerimônias e os rituais antigos; lá encontraram Lao tse (571 a.C.). Quando Confúcio preparava-se para a volta, Lao tse despediu-se dele da seguinte maneira: - "Diz-se que uma pessoa rica faz presentes em dinheiro e que as pessoas bem formadas dão presentes em conselhos, por isto quero presenteá-lo com um conselho: o homem brilhante e ponderado, vê-se muitas vezes em perigo por gostar de criticar os outros. Um homem instruído e firme em seus argumentos, expõe-se a ameaças por gostar de revelar as fraquezas dos outros. Não pense em si mesmo apenas como um filho ou um ministro, na corte.". Abraço. Davi


quinta-feira, 22 de maio de 2025

OXUM

Religião Afro-brasileira. Umbanda. Livro Código de Umbanda. Por Rubens Saraceni (1951-2015). OXUM. Oxum é o Trono Natural irradiador do Amor Divino e da Concepção da Vida em todos os sentidos. Como "Mãe da Concepção", ela estimula a união matrimonial, como Trono Mineral favorece a conquista da riqueza espiritual e a abundância material. A Orixá Oxum é o Trono regente do polo magnético radiante da linha do amor e atua na vida dos seres, estimulando em cada um os sentimentos de amor, fraternidade e união. Seu elemento é o mineral e, junto com Oxumaré , ela forma toda uma linha vertical cujas vibrações, magnetismo e irradiações planetárias e multidimensionais. Atuam sobre os seres e os estimula ou os paralisa. Em seus polos positivos, ela estimula os sentimentos de amor e acelera a união e a concepção. Não vamos comentar seus polos negativos ou punidores dos seres que desvirtuam os princípios do amor ou da concepção. Na Coroa Divina, a Orixá Oxum e o Orixá Oxumaré surgem a partir da projeção do Trono do Amor, que é o regente do sentido do Amor. Oxum assume os mistérios relacionados à concepção de vidas porque o seu elemento mineral atua nos seres estimulando a união e a concepção. Como muito já foi escrito a respeito de nossa amada mãe. Oxum, vamos limitar-nos só a mostrar as sete hierarquias que aplicam seus polos positivos nos sete níveis vibratórios positivos. 1ª Oxum é denominada da Fé, estando no polo magnético do 1º nível vibratório, cuja corrente eletromagnética horizontal é cristalina e é regida por Oxalá - Orixá da Fé. 2ª Oxum é denominada do Amor, estando assentada no polo magnético do 2º nível vibratório, cuja corrente eletromagnética horizontal é mineral e regida por Oxum - Orixá do Amor. 3ª Oxum é denominada do Conhecimento, pois está assentada no polo magnético do 3º nível vibratório. Cuja corrente eletromagnética horizontal é vegetal e regida por Oxóssi - Oxalá do Conhecimento. 4ª Oxum é denominada da Justiça. Estando assentada no polo magnético do 4º nível vibratório, cuja corrente eletromagnética horizontal é ígnea e regida por Xangô - Orixá da Justiça. 5ª Oxum é denominada da Lei, estando assentada no polo magnético do 5º nível vibratório. Cuja corrente eletromagnética horizontal é eólica e regida por Ogum - Orixá da Lei. 6ª Oxum é denominada do Saber, estando assentada no polo magnético do 6º nível vibratório. Cuja corrente eletromagnética horizontal é telúrica sendo regida por Obaluaiê - Orixá da Evolução. 7ª Oxum é denominada da Geração, estando assentada no polo magnético do 7º nível. Cuja corrente eletromagnética horizontal aquática é regida pela Orixá Iemanjá - Orixá da Geração. Estes sete Tronos Oxum intermediários pontificam as sete hierarquias regentes dos níveis vibratórios positivos da linha do Amor. Mas esta linha tem seus níveis negativos, os quais não vamos comentar aqui, sendo Tronos Minerais negativos. Responsáveis pela aplicação dos polos qualidades, atributos e atribuições negativas da Orixá maior Oxum. Atuando como atratoras dos seres que centraram suas vidas somente nas sexualidades desvirtuadas. Estes seres ficam com sua evolução paralisada até que esgotem todos os seus desejos desequilibrados e retornem às faixas neutras de onde serão redirecionados. Outra coisa que todos devem saber é que a água é o melhor condutor das energias minerais e cristalinas. Por esta sua qualidade única, surgem diversos tipos de água, e a água "doce" dos rios é a melhor rede de distribuição de energias minerais que temos na face da Terra. E o mar é o melhor irradiador de energias cristalinas. Saibam que a energia irradiada pelo mar é cristalina e a energia irradiada pelos rios é mineral. E justamente neste ponto surgem problemas quando confundem a Orixá Oxum com Iemanjá. Bom, o fato é que a água mineral, a água sulfúrica, a água salobra, a água salgada, a água ferruginosa etc. São condutores naturais de energias elementais e os Orixás recorrem a elas o tempo todo. Já que são regentes da natureza e se confundem com ela o tempo todo. Saibam também que a energia mineral está presente em todos os seres e em todos os vegetais. E por isso Oxum também está presente neles, e sua energia cria a "atração" entre as células vegetais, carregadas de elementos minerais. A água doce, por estar sobrecarregada de energia mineral é um dos principais alimentos dos vegetais. Logo, Oxum está tão presente nas matas de Oxóssi quanto na Terra de Obá. Dois Orixás que pontificam a linha vertical, irradiação, do Conhecimento. A senhora Oxum do Conhecimento é uma Oxum vegetal, atuando nos seres como emanadora do desejo de aprender. Saibam que a Ciência dos Orixás é tão vasta quanto divina, estando na raiz de todo o saber. Na origem e todas as criações divinas e na natureza de todos os seres. É na Ciência dos Orixás que as lendas se fundamentam e não o contrário. Logo, leiam e releiam nossos comentários até entenderem esta magnífica ciência divina. Aprendendo suas chaves interpretadoras das ciências dos entrecruzamentos. Se conseguirem estas duas coisas, temos certeza que daí por diante entenderão por que a rosa vermelha é usada como presente pelos namorados e a rosa branca é usada pelos filhos para presentearem suas mães. Ou porque se oferecem rosas vermelhas para oferendar Pombagira. Rosas brancas para oferendar Iemanjá e rosas amarelas para oferendar Oxum ou rosas cor-de-rosa para as crianças - erês. Saibam que mesmo todas sendo rosas, os pigmentos que as distinguem são os condutores de minerais e de energias minerais. Para um leigo, todas são rosas. Mas, para o conhecedor, cada rosa é um mistério em si mesma. E o mesmo acontece com cada cor, certo? Logo, o mesmo acontece com cada Orixá intermediário, mistérios dos Orixás maiores. Saibam também que todo jardim com muitas roseiras é irradiador de essências minerais que tornam o ambiente um catalizador natural das irradiações de amor da divindade planetária que amorosamente chamamos de mãe Oxum. Outra coisa que recomendamos aos umbandistas é: Por que vocês, em vez de oferecer rosas as suas Oxuns, não plantam perto das cachoeiras mudas de roseiras? As rosas murcham e logo apodrecem. Mas uma muda de roseira cresce, floresce, embeleza e vivifica o santuário natural dessas nossas mães do Amor. Oferenda. Velas brancas, azuis e amarelas. Flores, frutos e essências de rosas. Champanha e licor de cereja, tudo depositado ao pé de uma cachoeira. Água de Oxum para lavagem de cabeça - amaci. Água de cachoeira com rosas brancas maceradas e curtidas por três dias. Abraço. Davi.



terça-feira, 20 de maio de 2025

AS TRÊS DORES

Budismo. Livro O Evangelho de Buda. Vida e Doutrina de Sidarta Gautama. Por Yogi Kharshnanda. O Príncipe Sidarta alcança o Budado. 3. AS TRÊS DORES. O palácio dado ao príncipe pelo rei resplandecia com todo o luxo da Índia, porque o rei queria que o seu filho fosse feliz. Tudo quanto parecesse doloroso para ser contemplado, todas as misérias e todas as noções de sofrimento, foram afastados de Sidarta, para que ele ignorasse os males do mundo. Todavia, assim como o elefante cativo suspira pelas selvas, o príncipe se impacientava por ver o mundo, e pediu ao rei, seu pai, permissão para satisfazer o seu ardente desejo. Então, Suddhodana mandou atrelar quatro magníficos corcéis num carro adornado de pedrarias, e enfeitar os caminhos por onde Sidarta deveria passar. As casas da cidade foram enfeitadas com cortinas e bandeiras, e os espectadores, alinhados de cada lado, contemplavam avidamente o herdeiro do trono. Assim passou Sidarta com Channa, seu cocheiro, pelas ruas da cidade, e atravessou a campina sulcada de arroios e povoada de árvores frondosas. Em determinado lugar, encontrou um velho. Quando o príncipe viu aquele homem de corpo encurvado e rosto envelhecido com um sulco de dor entre as sobrancelhas, perguntou ao cocheiro: Quem é este? Sua cabeça é branca, seus olhos tremem e tem o corpo maltratado. Só consegue manter-se em pé apoiado num bastão. O cocheiro, a princípio embaraçado, atreveu-se por fim a dizer a verdade, e respondeu: Esses são os sinais da velhice. Esse homem foi uma criancinha e, depois, um adolescente cheio de entusiasmo e de prazer. Contudo os anos se passaram, e agora seu porte esbelto se foi e o vigor do seu corpo desapareceu. Sidarta, profundamente aflito pelas palavras do cocheiro, suspirou por causa do sofrimento da velhice e disse de si para si: Que gozo e que prazer podem experimentar os homens, quando sabem que a velhice virá e os fará sofrer e andar com tanta fraqueza? Mais adiante, à medida que seguiam, viram de um lado do caminho um enfermo, ofegante, as feições desfiguradas, convulso e gemendo de dor. O príncipe perguntou ao cocheiro: Que classe de homem é essa ? E o cocheiro respondeu: Este homem está enfermo. Os quatro elementos do seu corpo estão confusos e em desordem. Todos nós estamos sujeitos aos mesmos acidentes: o pobre e o rico, o ignorante e o sábio. Todas as criaturas que têm corpo estão expostas ao mesmo mal. E Sidarta se comoveu ainda mais. Todos os prazeres lhe pareciam vãos, e sentiu desgosto pelos prazeres da vida. O cocheiro fustigou para fugir de espetáculo tão triste, porém logo tiveram de parar em sua rápida carreira. Quatro pessoas passavam levando um cadáver. O príncipe, enternecido ante a visão do corpo privado da vida, perguntou ao cocheiro. O que estas pessoas estão levando? Vejo umas bandeirolas e umas grinaldas de flores. Mas os homens caminham tristes e pesarosos. O cocheiro lhe informou: É um morto, seu corpo está rígido, a vida fugiu dele e seu pensamento se extinguiu. Sua família e seus amigos levam agora o corpo dele para o sepulcro. O príncipe, cheio de horror e espanto, perguntou: Este caso é uma exceção, ou há no mundo outros exemplos semelhantes? Com o coração oprimido, o cocheiro lhe respondeu: Isto é igual para todos. Todos os que nascem devem morrer. Ninguém escapa da morte. Com a voz apagada e balbuciante, o príncipe exclamou: Oh homens mundanos, como é fatal o erro em que estão! Inevitavelmente o corpo de vocês se transformará em pó, e não obstante continuam a viver descuidados e despreocupados. O cocheiro, vendo a profunda impressão que aqueles lúgubres espetáculos causaram no príncipe, deu meia volta e entrou novamente na cidade. Ao passar pelo palácio da jovem princesa, sobrinha do rei, esta, surpreendida com a beleza varonil de Sidarta e vendo-o preocupado, exclamou: Ditoso o pai que o gerou: ditosa a mãe que o criou, ditosa a mulher que chama de marido um homem tão glorioso. Ao ouvir esse elogio, o príncipe respondeu: Ditosos são os que encontram a salvação. Aspirando a paz do espírito, eu buscarei a felicidade do nirvana. E ofereceu-lhe seu colar de pérolas preciosas, como para recompensá-lo da lição que havia dado e entrou no seu palácio. Abraço. Davi


domingo, 18 de maio de 2025

AMULETOS E TALISMÃS NO JUDAÍSMO

Judaísmo. www.morasha.com.br. AMULETOS E TALISMÃS NO JUDAÍSMO. Amuletos e talismãs são encontrados entre os mais diferentes povos, em todos os continentes, desde os primórdios da História até nossos dias. Entre nós, judeus, sua história se estende ao longo de vários milhares de anos. E o que são amuletos e talismãs? São objetos geralmente usados no pescoço ou no pulso, com o intuito de proteger ou ajudar aquele que os porta contra forças espirituais negativas. É preciso, no entanto, ressaltar que há uma nítida diferença entre amuletos e talismãs. Os primeiros são usados pela pessoa como forma de proteção e defesa contra algum mal. Já o talismã age de forma oposta, pois acredita-se que empodere aquele que o usa, atribuindo algum poder ou energia positiva à pessoa que o possui. Historiadores e arqueólogos acreditam que praticamente todos os ornamentos usados pelas pessoas, na Antiguidade, eram originalmente amuletos. Esta premissa se baseia no fato de que a maioria desses ornamentos costuma trazer a imagem de ídolos ou a estes eram consagrados. No Livro de Gênesis, por exemplo, lemos que nosso Patriarca Yaacov enterrou sob uma árvore “todos os deuses estranhos que (aqueles que viviam em sua casa) tinham em seu poder, e os aros de suas orelhas” (Gênesis 35:4). No Judaísmo, religião puramente monoteísta que rejeita completamente tudo o que se pareça à adoração de ídolos, o papel dos amuletos e talismãs é servir como canal condutor para as bênçãos Divinas. Assim sendo, o Judaísmo permite apenas aqueles amuletos e talismãs feitos e usados de acordo com as leis da Torá. O Talmud nos ensina que esses objetos geralmente contêm nas palavras que trazem inscritas um dos Nomes de D’us ou mesmo passagens da Torá (Talmud Babilônico, Shabat 115b). No entanto, cabe perguntar, por que razão a Torá sanciona o uso dos amuletos e talismãs? Uma das razões seria a seguinte: como ensina a Cabalá, misticismo judaico, o ser humano vive em um mundo físico, portanto precisa usar da materialidade para atrair e transmitir a plenitude Divina para o mundo. O cajado usado por Moshé e Aaron para realizar milagres – as 10 pragas, no Egito, e a abertura do Mar de Juncos – são um ótimo exemplo disso. Os amuletos judaicos geralmente são feitos de textos (letras ou símbolos gráficos) gravados sobre algum tipo de material; podem até conter plantas ou pedras preciosas. Têm, na maioria das vezes, um propósito específico como, por exemplo, facilitar o nascimento, promover a recuperação ou a cura de uma enfermidade, promover uma melhora nos negócios e assim por diante. A palavra hebraica para amuleto, kamêa1, relaciona-se com a noção de amarrar ou unir. Um amuleto judaico, portanto, deve ser “ligado ou amarrado em torno de algo”. Na maior parte das vezes, os amuletos são usados em volta do pescoço da pessoa ou amarrados em seu pulso; ou, no caso de um bebê, presos em sua roupa. Às vezes, os amuletos são usados diretamente no corpo da pessoa, de forma oculta. Na Antiguidade, era comum encontrar-se amuletos no corpo dos valentes guerreiros judeus. As maiores evidências do uso de amuletos pelos judeus remontam à época dos Sábios do Talmud. A discussão que girava em torno de ser ou não permitido portar amuletos no Shabat encontra-se no Tratado Shabat, junto com uma resposta afirmativa – podia-se usar o amuleto desde que quem o tivesse confeccionado fosse um judeu especializado em sua produção ou que o amuleto fosse, de fato, um objeto cuja eficácia tivesse sido comprovada (Mishná, Shabat 6.2; Talmud Babilônico, Shabat 61a). O Talmud assim define um amuleto forte: como ensinaram os Sábios no Tosefta2,o que constitui um amuleto eficaz? É aquele que curou uma pessoa uma vez, e a curou novamente, e a curou uma terceira vez. Este é o critério para um amuleto eficaz e se aplica tanto a um amuleto escrito quanto a um feito com raízes de ervas; sendo necessário que sua eficácia tenha sido comprovada na cura de um doente em estado grave ou na cura de um doente em estado não tão grave. O valor e a eficácia de um amuleto ou de um talismã dependem, também, da espiritualidade de seu autor, já que seus poderes espirituais são o que irá determinar a força do amuleto ou do talismã. Os amuletos considerados válidos eram compostos e gravados por mestres no assunto, conhecidos como os Ba’alei Shem (os Mestres do Nome Sagrado). Os Cinco Livros da Torá apenas fazem menção a amuletos, ao passo que as passagens da era do Talmud e pós-Talmud, bem como os textos da Cabalá, fornecem mais informações sobre esse assunto. Até mesmo o Livro dos Provérbios, escrito pelo Rei Salomão, Shlomó HaMelech, o mais sábio dos homens que já viveu, refere-se a concepções consagradas sobre os amuletos. O uso de amuletos genuinamente judaicos – e não os emprestados de fontes não-judaicas, foi muito intenso no período rabínico, a dizer, de cerca do século 1 até cerca do século 7 da Era Comum. Consequentemente há várias menções sobre amuletos na literatura rabínica. Como o Talmud não proíbe o uso de amuletos, vemos que através da História seu uso foi muito difundido e praticado entre os judeus. Floresceu na Espanha, no Oriente e em toda a Europa. No continente europeu, a crença nos poderes ocultos dos amuletos era muito difundida entre judeus e não-judeus, em todos os níveis da sociedade. Os amuletos podiam ser tiras de pergaminho com letras do Nome de D’us, anagramas e transposições do mesmo, passagens da Torá e outros textos do gênero. Frequentemente eram uma pequena plaquinha de metal contendo as letras do Nome Divino. Os amuletos eram usados enrolados no braço ou no pulso; ou excepcionalmente eram carregados na mão. As mulheres e crianças os portavam geralmente em correntes no pescoço, anéis ou em outros adornos. Opiniões contraditórias acerca dos amuletos. Rav Hai Gaon, rabino e erudito que foi o mestre da Academia Talmúdica de Pumbedita, na Babilônia, no início do século 11, negava os poderes de certos amuletos, como, por exemplo, que um pedaço de papiro, inscrito com o Nome de D’us, pudesse afugentar os ladrões; ou que esse Nome Sagrado gravado em uma telha nova pudesse acalmar os mares. No entanto, é interessante notar que ele admitia que os amuletos pudessem ter eficácia como meio de cura e proteção. Como escreveu, “tudo dependia do autor do texto e do momento de sua aplicação”. Rabi Moshé ben Nachman, Nachmanides, permitia o uso de uma placa de metal com a imagem de um leão como remédio contra uma forte tosse. Esse tipo de crença era universal e também é mencionado por Manasseh ben Israel, de Amsterdã – rabino português, cabalista, escritor, diplomata, pintor, editor e fundador da primeira gráfica em caracteres hebraicos em Amsterdã, em 1626. Vale ressaltar, porém, que nem todos os nossos Sábios concordavam sobre o uso e poder dos amuletos. Houve uma forte oposição a seu uso entre certos Sábios, ao longo dos séculos, entre os quais se contava Maimônides, que declaradamente os condenou. Ele negava que tivessem qualquer força ou virtude, escrevendo sobre “a loucura dos que fazem os amuletos, que esperam conseguir milagres com as permutações do Nome Divino”. No entanto, importantes rabinos do século 18, como o Rabi Yonatan Eybeschütz e o Rabi Naftali ha-Kohen Katz (que serviu como rabino em Poznan e em Frankfurt am Main), eram conhecidos por escrever amuletos. Em seu testamento, Rabi Katz determinou que seu grande amuleto fosse dividido em cinco partes, uma para cada um de seus cinco filhos. Muitos dos livros escritos por Cabalistas nos séculos 17 e 18 incluem textos sobre amuletos. Seu uso foi também praticado pelos Hassidim, tendo sido escritos e gravados por uma série de Rebes ilustres. É interessante notar que os amuletos não foram apenas um fenômeno da vida judaica medieval. Mesmo hoje em dia, muitos judeus creem em seu poder. Como demonstra um artigo escrito pelo Hospital Assaf HaRofeh, em Tel Aviv, os amuletos e talismãs continuam sendo parte da prática judaica contemporânea. Durante dois meses, os funcionários do hospital pediram aos pais de todas as crianças internadas na UTI Pediátrica, para preencher um questionário com dados demográficos sobre o paciente e seus familiares, o uso de talismãs ou outras práticas de medicina popular, bem como sua percepção sobre os efeitos de tais práticas no bem-estar do paciente. E constataram, surpresos, que 30% das famílias judias usavam amuletos e talismãs na UTI, independentemente da situação socioeconômica da família ou da gravidade da enfermidade da criança internada. Os resultados indicaram que esses objetos eram significativamente mais usados por judeus religiosos, por famílias com um nível mais elevado de instrução e nos casos em que as crianças eram mais jovens. Mezuzá. Qualquer controvérsia acerca da permissão de se usar amuletos segundo o Judaísmo depende da definição dada a esses objetos. Por exemplo, um dos mandamentos mais conhecidos da Torá, que é mencionado duas vezes no texto da oração do Shemá Israel, é o de se colocar uma Mezuzá nos umbrais das portas de casa. Por um lado, a colocação da Mezuzá atende a um mandamento da Torá. Mas, por outro, também cumpre o papel de um “amuleto”, já que protege os habitantes desse lar onde é afixada. Desde tempos remotos há registros de pessoas que usavam a Mezuzá como amuleto. De fato, a Mishná menciona que alguns tinham o costume de usar um cajado com uma parte oca onde era afixada uma Mezuzá para sua proteção. Vejamos os poderes protetores da Mezuzá: na parte externa do seu pergaminho, consta um dos Nomes de D’us, Sh-a-dai (י-ד-ש). Os Cabalistas explicam que além de constituírem um Nome Divino, essas três letras são também o acrônimo de Shomer Delatot Israel – “Guardião dos portais de Israel,” em alusão à proteção dada pela Mezuzá. Em vista disso, nas Responsas da época pós-Talmúdica, há uma discussão sobre o seguinte: a proteção pode ser obtida apenas com uma Mezuzá colocada de forma correta, segundo o mandamento – ou pode advir de qualquer Mezuzá? Muitos são da opinião que, de fato, há alguma medida de proteção na própria Mezuzá, mesmo que não esteja afixada no umbral da porta. A esse respeito, o Rebe de Lubavitch recomendou que certos indivíduos que tratavam de assuntos relacionados à saúde sempre levassem consigo uma Mezuzá – obviamente além de terem Mezuzot casher afixadas nos portais de sua casa. Os poderes de proteção da Mezuzá servem como paradigma para os amuletos e talismãs casher – ou seja, aqueles que são confeccionados e empregados de acordo com as leis da Torá. Diversas fontes judaicas, inclusive o Talmud, ensinam que, de forma semelhantes às Mezuzot, os Tefilin também são amuletos permitidos, preservando o Povo Judeu da força do mal e de seus inimigos. De forma figurativa, o principal amuleto do Povo de Israel é a própria Torá, já que é o canal que conduz todas as bênçãos, perdões e bondade Divinos até nós, seres humanos. www.morasha.com.br. Abraço. Davi

sexta-feira, 16 de maio de 2025

COMBATER A POBREZA - CONSTRUIR A PAZ

Catolicismo. www.w2.vatican.va. Mensagem de Sua Santidade Bento XVI, para a celebração do DIA MUNDIAL DA PAZ. Em 01 de janeiro de 2009. COMBATER A POBREZA – CONSTRUIR A PAZ. 1. Desejo, também no início deste novo ano, fazer chegar os meus votos de paz a todos e, com esta minha Mensagem, convidá-los a refletir sobre o tema: Combater a pobreza, construir a paz. Já o meu venerado antecessor João Paulo II, na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1993, sublinhara as repercussões negativas que acaba por ter sobre a paz a situação de pobreza em que versam populações inteiras. De facto, a pobreza encontra-se frequentemente entre os fatores que favorecem ou agravam os conflitos, mesmo os conflitos armados. Estes últimos, por sua vez, alimentam trágicas situações de pobreza. « Vai-se afirmando (...), com uma gravidade sempre maior – escrevia João Paulo II –, outra séria ameaça à paz: muitas pessoas, mais ainda, populações inteiras vivem hoje em condições de extrema pobreza. A disparidade entre ricos e pobres tornou-se mais evidente, mesmo nas nações economicamente mais desenvolvidas. Trata-se de um problema que se impõe à consciência da humanidade, visto que as condições em que se encontra um grande número de pessoas são tais que ofendem a sua dignidade natural e, consequentemente, comprometem o autêntico e harmônico progresso da comunidade mundial ».(1) 2. Neste contexto, combater a pobreza implica uma análise atenta do fenômeno complexo que é a globalização. Tal análise é já importante do ponto de vista metodológico, porque convida a pôr em prática o fruto das pesquisas realizadas pelos economistas e sociólogos sobre tantos aspectos da pobreza. Mas a evocação da globalização deveria revestir também um significado espiritual e moral, solicitando a olhar os pobres bem cientes da perspectiva que todos somos participantes de um único projeto divino: chamados a constituir uma única família, na qual todos – indivíduos, povos e nações – regulem o seu comportamento segundo os princípios de fraternidade e responsabilidade. Em tal perspectiva, é preciso ter uma visão ampla e articulada da pobreza. Se esta fosse apenas material, para iluminar as suas principais características, seriam suficientes as ciências sociais que nos ajudam a medir os fenómenos baseados sobretudo em dados de tipo quantitativo. Sabemos, porém, que existem pobrezas imateriais, isto é, que não são consequência directa e automática de carências materiais. Por exemplo, nas sociedades ricas e avançadas, existem fenómenos de marginalização, pobreza relacional, moral e espiritual: trata-se de pessoas desorientadas interiormente, que, apesar do bem-estar económico, vivem diversas formas de transtorno. Penso, por um lado, no chamado « subdesenvolvimento moral » (2) e, por outro, nas consequências negativas do « super desenvolvimento ».(3) Não esqueço também que muitas vezes, nas sociedades chamadas « pobres », o crescimento económico é entravado por impedimentos culturais, que não permitem uma conveniente utilização dos recursos. Seja como for, não restam dúvidas de que toda a forma de pobreza imposta tem, na sua raiz, a falta de respeito pela dignidade transcendente da pessoa humana. Quando o homem não é visto na integridade da sua vocação e não se respeitam as exigências duma verdadeira « ecologia humana »,(4) desencadeiam-se também as dinâmicas perversas da pobreza, como é evidente em alguns âmbitos sobre os quais passo a deter brevemente a minha atenção. Pobreza e implicações morais. 3. A pobreza aparece muitas vezes associada, como se fosse sua causa, com o desenvolvimento demográfico. Em consequência disso, realizam-se campanhas de redução da natalidade, promovidas a nível internacional, até com métodos que não respeitam a dignidade da mulher nem o direito dos esposos a decidirem responsavelmente o número dos filhos (5) e que muitas vezes – facto ainda mais grave – não respeitam sequer o direito à vida. O extermínio de milhões de nascituros, em nome da luta à pobreza, constitui na realidade a eliminação dos mais pobres dentre os seres humanos. Contra tal presunção, fala o dado seguinte: enquanto, em 1981, cerca de 40% da população mundial vivia abaixo da linha de pobreza absoluta, hoje tal percentagem aparece substancialmente reduzida a metade, tendo saído da pobreza populações caracterizadas precisamente por um incremento demográfico notável. O dado agora assinalado põe em evidência que existiriam os recursos para se resolver o problema da pobreza, mesmo no caso de um crescimento da população. E não se há de esquecer que, desde o fim da segunda guerra mundial até hoje, a população da terra cresceu quatro mil milhões e tal fenómeno diz respeito, em larga medida, a países que surgiram recentemente na cena internacional como novas potências económicas e conheceram um rápido desenvolvimento graças precisamente ao elevado número dos seus habitantes. Além disso, dentre as nações que mais se desenvolveram, aquelas que detêm maiores índices de natalidade gozam de melhores potencialidades de progresso. Por outras palavras, a população confirma-se como uma riqueza e não como um fator de pobreza. 4. Outro âmbito de preocupação são as pandemias, como por exemplo a malária, a tuberculose e a SIDA, pois, na medida em que atingem os sectores produtivos da população, influem enormemente no agravamento das condições gerais do país. As tentativas para travar as consequências destas doenças na população nem sempre alcançam resultados significativos. E sucede além disso que os países afetados por algumas dessas pandemias se veem, ao querer enfrentá-las, sujeitos a chantagem por parte de quem condiciona a ajuda econômica à atuação de políticas contrárias à vida. Sobretudo a SIDA (Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida - AIDS), dramática causa de pobreza, é difícil combatê-la se não se enfrentarem as problemáticas morais associadas com a difusão do vírus. É preciso, antes de tudo, fomentar campanhas que eduquem, especialmente os jovens, para uma sexualidade plenamente respeitadora da dignidade da pessoa; iniciativas realizadas nesta linha já deram frutos significativos, fazendo diminuir a difusão da SIDA. Depois há que colocar à disposição também das populações pobres os remédios e os tratamentos necessários; isto supõe uma decidida promoção da pesquisa médica e das inovações terapêuticas e, quando for preciso, uma aplicação flexível das regras internacionais de proteção da propriedade intelectual, de modo que a todos fiquem garantidos os necessários tratamentos sanitários de base. 5. Terceiro âmbito, que é objeto de atenção nos programas de luta contra a pobreza e que mostra a sua intrínseca dimensão moral, é a pobreza das crianças. Quando a pobreza atinge uma família, as crianças são as suas vítimas mais vulneráveis: atualmente quase metade dos que vivem em pobreza absoluta é constituída por crianças. O fato de olhar a pobreza colocando-se da parte das crianças induz a reter como prioritários os objetivos que mais diretamente lhes dizem respeito, como por exemplo os cuidados maternos, o serviço educativo, o acesso às vacinas, aos cuidados médicos e à água potável, a defesa do ambiente e sobretudo o empenho na defesa da família e da estabilidade das relações no seio da mesma. Quando a família se debilita, os danos recaem inevitavelmente sobre as crianças. Onde não é tutelada a dignidade da mulher e da mãe, a ressentir-se do fato são de novo principalmente os filhos. 6. Quarto âmbito que, do ponto de vista moral, merece particular atenção é a relação existente entre desarmamento e progresso. Gera preocupação o atual nível global de despesa militar. É que, como já tive ocasião de sublinhar, « os ingentes recursos materiais e humanos empregados para as despesas militares e para os armamentos, na realidade, são desviados dos projetos de desenvolvimento dos povos, especialmente dos mais pobres e necessitados de ajuda. E isto está contra o estipulado na própria Carta das Nações Unidas, que empenha a comunidade internacional, e cada um dos Estados em particular, a ‘‘promover o estabelecimento e a manutenção da paz e da segurança internacional com o mínimo dispêndio dos recursos humanos e econômicos mundiais para os armamentos'' (art. 26) ».(6) Uma tal conjuntura, longe de facilitar, obstaculiza seriamente a consecução dos grandes objetivos de desenvolvimento da comunidade internacional. Além disso, um excessivo aumento da despesa militar corre o risco de acelerar uma corrida aos armamentos que provoca faixas de subdesenvolvimento e desespero, transformando-se assim, paradoxalmente, em facor de instabilidade, tensão e conflito. Como sensatamente afirmou o meu venerado antecessor Paulo VI, « o desenvolvimento é o novo nome da paz ».(7) Por isso, os Estados são chamados a fazer uma séria reflexão sobre as razões mais profundas dos conflitos, frequentemente atiçados pela injustiça, e a tomar providências com uma corajosa autocrítica. Se se chegar a uma melhoria das relações, isso deverá consentir uma redução das despesas para armamentos. Os recursos poupados poderão ser destinados para projetos de desenvolvimento das pessoas e dos povos mais pobres e necessitados: o esforço despendido em tal direção é um serviço à paz no seio da família humana. 7. Quinto âmbito na referida luta contra a pobreza material diz respeito à crise alimentar atual, que põe em perigo a satisfação das necessidades de base. Tal crise é caracterizada não tanto pela insuficiência de alimento, como sobretudo pela dificuldade de acesso ao mesmo e por fenômenos especulativos e, consequentemente, pela falta de um reajustamento de instituições políticas e económicas que seja capaz de fazer frente às necessidades e às emergências. A má nutrição pode também provocar graves danos psicofísicos nas populações, privando muitas pessoas das energias de que necessitam para sair, sem especiais ajudas, da sua situação de pobreza. E isto contribui para alargar a distância angular das desigualdades, provocando reacções que correm o risco de tornar-se violentas. Todos os dados sobre o andamento da pobreza relativa nos últimos decênios indicam um aumento do fosso entre ricos e pobres. Causas principais de tal fenômeno são, sem dúvida, por um lado a evolução tecnológica, cujos benefícios se concentram na faixa superior da distribuição do rendimento, e por outro a dinâmica dos preços dos produtos industriais, que crescem muito mais rapidamente do que os preços dos produtos agrícolas e das matérias primas na posse dos países mais pobres. Isto faz com que a maior parte da população dos países mais pobres sofra uma dupla marginalização, ou seja, em termos de rendimentos mais baixos e de preços mais altos. Luta contra a pobreza e solidariedade global.  8. Uma das estradas mestras para construir a paz é uma globalização que tenha em vista os interesses da grande família humana.(8) Mas, para guiar a globalização é preciso uma forte solidariedade global (9) entre países ricos e países pobres, como também no âmbito interno de cada uma das nações, incluindo ricas. É necessário um « código ético comum »,(10) cujas normas não tenham apenas carácter convencional mas estejam radicadas na lei natural inscrita pelo Criador na consciência de todo o ser humano (cf. Romanos 2, 14-15). Porventura não sente cada um de nós, no íntimo da consciência, o apelo a dar a própria contribuição para o bem comum e a paz social? A globalização elimina determinadas barreiras, mas isto não significa que não possa construir outras novas; aproxima os povos, mas a proximidade geográfica e temporal não cria, de per si, as condições para uma verdadeira comunhão e uma paz autêntica. A marginalização dos pobres da terra só pode encontrar válidos instrumentos de resgate na globalização, se cada homem se sentir pessoalmente atingido pelas injustiças existentes no mundo e pelas violações dos direitos humanos ligadas com elas. A Igreja, que é « sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano »,(11) continuará a dar a sua contribuição para que sejam superadas as injustiças e incompreensões e se chegue a construir um mundo mais pacífico e solidário. 9. No campo do comércio internacional e das transações financeiras, temos hoje em ação processos que permitem integrar positivamente as economias, contribuindo para o melhoramento das condições gerais; mas há também processos de sentido oposto, que dividem e marginalizam os povos, criando perigosas premissas para guerras e conflitos. Nos decênios posteriores à segunda guerra mundial, o comércio internacional de bens e serviços cresceu de forma extraordinariamente rápida, com um dinamismo sem precedentes na história. Grande parte do comércio mundial interessou os países de antiga industrialização, vindo significativamente juntar-se-lhes muitos países que sobressaíram tornando-se relevantes. Mas há outros países de rendimento baixo que estão ainda gravemente marginalizados dos fluxos comerciais. O seu crescimento ressentiu-se negativamente com a rápida descida verificada, nos últimos decênios, nos preços dos produtos primários, que constituem a quase totalidade das suas exportações. Nestes países, em grande parte africanos, a dependência das exportações de produtos primários continua a constituir um poderoso fator de risco. Quero reiterar aqui um apelo para que todos os países tenham as mesmas possibilidades de acesso ao mercado mundial, evitando exclusões e marginalizações. 10. Idêntica reflexão pode fazer-se a propósito do mercado financeiro, que toca um dos aspectos primários do fenómeno da globalização, devido ao progresso da eletrônica e às políticas de liberalização dos fluxos de dinheiro entre os diversos países. A função objetivamente mais importante do mercado financeiro, que é a de sustentar a longo prazo a possibilidade de investimentos e consequentemente de desenvolvimento, aparece hoje muito frágil: sofre as consequências negativas de um sistema de transações financeiras – a nível nacional e global – baseadas sobre uma lógica de brevíssimo prazo, que busca o incremento do valor das atividades financeiras e se concentra na gestão técnica das diversas formas de risco. A própria crise recente demonstra como a atividade financeira seja às vezes guiada por lógicas puramente auto referenciais e desprovidas de consideração pelo bem comum a longo prazo. O nivelamento dos objetivos dos operadores financeiros globais para o brevíssimo prazo reduz a capacidade de o mercado financeiro realizar a sua função de ponte entre o presente e o futuro: apoio à criação de novas oportunidades de produção e de trabalho a longo prazo. Uma atividade financeira confinada no breve e brevíssimo prazo torna-se perigosa para todos, inclusivamente para quem consegue beneficiar dela durante as fases de euforia financeira.(12) 11. Segue-se de tudo isto que a luta contra a pobreza requer uma cooperação nos planos econômico e jurídico que permita à comunidade internacional e especialmente aos países pobres individuarem e atuarem soluções coordenadas para enfrentar os referidos problemas através da realização de um quadro jurídico eficaz para a economia. Além disso, requer estímulos para se criarem instituições eficientes e participativas, bem como apoios para lutar contra a criminalidade e promover uma cultura da legalidade. Por outro lado, não se pode negar que, na origem de muitos falimentos na ajuda aos países pobres, estão as políticas vincadamente assistencialistas. Investir na formação das pessoas e desenvolver de forma integrada uma cultura específica da iniciativa parece ser atualmente o verdadeiro projeto a médio e longo prazo. Se as atividades económicas precisam de um contexto favorável para se desenvolver, isto não significa que a atenção se deva desinteressar dos problemas do rendimento. Embora se tenha oportunamente sublinhado que o aumento do rendimento pro capite não pode de forma alguma constituir o fim da ação político-econômica, todavia não se deve esquecer que o mesmo representa um instrumento importante para se alcançar o objetivo da luta contra a fome e contra a pobreza absoluta. Deste ponto de vista, seja banida a ilusão de que uma política de pura redistribuição da riqueza existente possa resolver o problema de maneira definitiva. De facto, numa economia moderna, o valor da riqueza depende em medida determinante da capacidade de criar rendimento presente e futuro. Por isso, a criação de valor surge como um elo imprescindível, que se há- de ter em conta se se quer lutar contra a pobreza material de modo eficaz e duradouro. 12. Colocar os pobres em primeiro lugar implica, finalmente, que se reserve espaço adequado para uma correta lógica econômica por parte dos agentes do mercado internacional, uma correta lógica política por parte dos agentes institucionais e uma correta lógica participativa capaz de valorizar a sociedade civil local e internacional. Hoje os próprios organismos internacionais reconhecem o valor e a vantagem das iniciativas econômicas da sociedade civil ou das administrações locais para favorecer o resgate e a integração na sociedade daquelas faixas da população que muitas vezes estão abaixo do limiar de pobreza extrema, mas ao mesmo tempo, dificilmente se consegue fazer-lhes chegar as ajudas oficiais. A história do progresso económico do século XX ensina que boas políticas de desenvolvimento são confiadas à responsabilidade dos homens e à criação de positivas sinergias entre mercados, sociedade civil e Estados. Particularmente a sociedade civil assume um papel crucial em todo o processo de desenvolvimento, já que este é essencialmente um fenómeno cultural e a cultura nasce e se desenvolve nos diversos âmbitos da vida civil. (13) 13. Como observava o meu venerado antecessor João Paulo II, a globalização « apresenta-se com uma acentuada característica de ambivalência »,(14) pelo que há- de ser dirigida com clarividente sabedoria. Faz parte de tal sabedoria ter em conta primariamente as exigências dos pobres da terra, superando o escândalo da desproporção que se verifica entre os problemas da pobreza e as medidas predispostas pelos homens para os enfrentar. A desproporção é de ordem tanto cultural e política como espiritual e moral. De facto, tais medidas detêm-se frequentemente nas causas superficiais e instrumentais da pobreza, sem chegar às que se abrigam no coração humano, como a avidez e a estreiteza de horizontes. Os problemas do desenvolvimento, das ajudas e da cooperação internacional são às vezes enfrentados sem um verdadeiro envolvimento das pessoas, mas apenas como questões técnicas que se reduzem à preparação de estruturas, elaboração de acordos tarifários, atribuição de financiamentos anônimos. Inversamente, a luta contra a pobreza precisa de homens e mulheres que vivam profundamente a fraternidade e sejam capazes de acompanhar pessoas, famílias e comunidades por percursos de autêntico progresso humano. Conclusão. 14. Na Encíclica Centesimus annus, João Paulo II advertia para a necessidade de « abandonar a mentalidade que considera os pobres – pessoas e povos – como um fardo e como importunos maçadores, que pretendem consumir tudo o que os outros produziram ». « Os pobres – escrevia ele – pedem o direito de participar no usufruto dos bens materiais e de fazer render a sua capacidade de trabalho, criando assim um mundo mais justo e mais próspero para todos ».(15) No mundo global de hoje, resulta de forma cada vez mais evidente que só é possível construir a paz, se se assegurar a todos a possibilidade de um razoável crescimento: de facto, as consequências das distorções de sistemas injustos, mais cedo ou mais tarde, fazem-se sentir sobre todos. Deste modo, só a insensatez pode induzir a construir um palácio dourado, tendo porém ao seu redor o deserto e o degrado. Por si só, a globalização não consegue construir a paz; antes, em muitos casos, cria divisões e conflitos. A mesma põe a descoberto sobretudo uma urgência: a de ser orientada para um objetivo de profunda solidariedade que aponte para o bem de cada um e de todos. Neste sentido, a globalização há-de ser vista como uma ocasião propícia para realizar algo de importante na luta contra a pobreza e colocar à disposição da justiça e da paz recursos até agora impensáveis. 15. Desde sempre se interessou pelos pobres a doutrina social da Igreja. Nos tempos da Encíclica Rerum novarum, pobres eram sobretudo os operários da nova sociedade industrial; no magistério social de Pio XIPio XIIJoão XXIIIPaulo VI e João Paulo II, novas pobrezas foram vindo à luz à medida que o horizonte da questão social se alargava até assumir dimensões mundiais.(16) Este alargamento da questão social à globalidade não deve ser considerado apenas no sentido duma extensão quantitativa mas também dum aprofundamento qualitativo sobre o homem e as necessidades da família humana. Por isso a Igreja, ao mesmo tempo que segue com atenção os fenômenos atuais da globalização e a sua incidência sobre as pobrezas humanas, aponta os novos aspectos da questão social, não só em extensão, mas também em profundidade, no que se refere à identidade do homem e à sua relação com Deus. São princípios de doutrina social que tendem a esclarecer os vínculos entre pobreza e globalização e a orientar a acção para a construção da paz. Dentre tais princípios, vale a pena recordar aqui, de modo particular, o « amor preferencial pelos pobres »,(17) à luz do primado da caridade testemunhado por toda a tradição cristã a partir dos primórdios da Igreja (cf. Atos 4, 32-37; 1 Coríntios 16, 1; 2 Coríntios 8-9; Gálatas 2, 10). « Cada um entregue-se à tarefa que lhe incumbe com a maior diligência possível » – escrevia em 1891 Leão XIII, acrescentando: « Quanto à Igreja, a sua ação não faltará em nenhum momento ».(18) Esta consciência acompanha hoje também a ação da Igreja em favor dos pobres, nos quais vê Cristo,(19) sentindo ressoar constantemente em seu coração o mandato do Príncipe da paz aos Apóstolos: « Vos date illis manducare – dai-lhes vós mesmos de comer » (Lucas 9, 13). Fiel a este convite do seu Senhor, a Comunidade Cristã não deixará, pois, de assegurar o seu apoio à família humana inteira nos seus impulsos de solidariedade criativa, tendentes não só a partilhar o supérfluo, mas sobretudo a alterar « os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades ».(20) Assim, a cada discípulo de Cristo bem como a toda a pessoa de boa vontade, dirijo, no início de um novo ano, um caloroso convite a alargar o coração às necessidades dos pobres e a fazer tudo o que lhe for concretamente possível para ir em seu socorro. De facto, aparece como indiscutivelmente verdadeiro o axioma « combater a pobreza é construir a paz ». Vaticano, 8 de dezembro de 2008. www.w2.vatican.va. Abraço. Davi