sexta-feira, 28 de novembro de 2025

TAO TE CHING - POEMA III

Lao Tse. Tao Te Ching. O Livro que Revela Deus

Por Huberto Rohden (1893-1981)
Agir pela não interferência

POEMA III

Não exaltes os homens eminentes
Para que não surja rivalidade entre o povo
Não exibas os tesouros raros
Para que o povo não os ambicione
Não despertes as cobiças
Para que as almas não sejam profanadas
O governo do sábio não desperta paixões
Mas procura manter o povo na sobriedade
Dando-lhes as coisas necessárias
Não lhe oferece erudição
Mas dá-lhe cultura do coração
O sábio governa pelo não agir
E tudo permanece em ordem

Explicação Filosófica:
É importante manter a distância entre o governo e povo. A democracia meramente horizontal e autodestrutiva. Deve haver, na democracia, um princípio de hierarquia, de desnível. Do contrário, o nivelamento entre governante e governados degenera em entropia paralisante. Como um lago que não move uma turbina, por que lhe falta desnível ectrópio da cachoeira. Sendo que o governo meramente democrático é o regime de ego para ego. Sem nenhuma referência ao Eu. Toda democracia, sendo liberdade sem autoridade. Acaba fatalmente num caos centrífugo. Por falta de um princípio coesão centrípeta. Verso sem Uno dá caos somente. Somente Verso regido pelo Uno produz harmonia. Este capítulo visualiza o futuro da democracia em forma de cosmo-cracia, que é igualmente horizontal com desigualdade vertical. Todavia devendo revestir-se, também, de algo hierárquico ou cósmico. A Politéia, República de Platão advoga, basicamente, esse mesmo princípio de entropia. De nível compensado pelo desnível, de horizontalidade sublimada pela verticalidade. Abraço. Davi 

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

O SERMÃO DE VARANASI

Budismo. Livro O Evangelho de Buda. Vida e Doutrina de Sidarta Gautama. Por Yogi Kharishnanda. O SERMÃO DE VARANASI. O Senhor Buda voltou para o lugar onde estavam os cinco eremitas que, ao verem aproximar-se o antigo mestre, resolveram não lhe dar mais esse título. Mas chamá-lo pelo nome, pois diziam entre si: Ele quebrou o seu voto e fracassou na santidade. Já não é dos nossos, mas apenas Gautama, um homem que vive na abundância e se entrega aos prazeres mundanos. Todavia, quando o Bem-aventurado se aproximou deles, ergueram-se os cinco inconscientemente para recebê-lo e saudá-lo. Embora o chamassem pelo nome e o tratassem como amigo.  O Bem-aventurado lhes disse: Não chamem ao Tathágata pelo seu nome nem dê a ele o trato de um amigo. Porque já é Buda, o Iluminado, que olhado, que olha todos os seres com a mesma compaixão, e por isso o devem chamar de pai. É mau faltar com respeito ao pai. É pecado menosprezá-lo. O Tathágata não crê que a autenticidade seja o caminho para a salvação. Porém, isso não quer dizer que se entregue aos prazeres mundanos e viva na abundância. O Tathágata encontrou o caminho do meio. A abstenção de carnes ou pescados, raspar a cabeça ou trançar o cabelo, vestir-se com túnica grosseira, cobrir-se de pó e oferecer sacrifício a Ani. Nada disso purificará aquele que não se libertou do erro. A leitura dos Vedas, as dádivas aos sacerdotes, a mortificação pelo calor ou pelo frio, e outras penitências semelhantes com intuito de alcançar a imortalidade, não purificam quem não se libertou do erro. A ira, a embriaguez, a teimosia, a hipocrisia, a presunção, a maledicência, a arrogância, as más intenções, são impurezas e certamente não são limpas pelas mortificações corporais. Permitam que eu mostre a vocês o caminho do meio que é equidistante dos extremos viciosos. O devoto extenuado pela penitência confunde a sua mente, e seus pensamentos são doentios. A austeridade mortificante não constitui meio eficaz para subjugar os sentidos da percepção. Aquele que alimenta sua lâmpada com água em vez de azeite não dissipará as trevas, e nem é possível avivar o fogo com lenha podre. As mortificações são tão penosas quanto inúteis. E mesmo que o homem leve uma vida austera, não poderá emancipar-se da escravidão da personalidade se não extinguir o fogo da concupiscência. Toda mortificação é inútil se a personalidade persiste em desejar os prazeres do mundo e os deleites do céu. Porém, quem subjuga a personalidade está livre de concupiscência, não deseja prazer nenhum. Nem mundano nem celeste, e por isso, não o contaminará a satisfação de suas necessidades naturais. Que coma e beba para a manutenção do corpo. A água que rodeia a flor de lótus não molha as suas pétalas. Toda sensualidade é enervante. O homem sensual é escravo de suas paixões e degrada-se de maneira vil ao buscar o prazer. Porém, não é mau satisfazer as necessidades da vida. Ao contrário, é nosso dever manter a saúde do corpo. Porque de outra maneira não poderíamos manter acesa a lâmpada da sabedoria, nem dar fortaleza e lucidez à mente. Esse, é Oh devoto, o caminho equidistante dos dois extremos. E os cinco devotos tornaram-se os primeiros discípulos do Senhor Buda. O Bem-aventurado falou bondosamente aos seus discípulos, mostrando compaixão pelos erros deles e representando-lhes a inutilidade de seus esforços. A pequena desconfiança que existia no coração deles desapareceu ao calor e persuasão das palavras do Mestre. Então o Bem-aventurado pois em movimento a roda da lei. Começando a pregar aos cinco discípulos, abrindo-lhes a porta da imortalidade e expondo-lhes as excelências do nirvana. Quando o Senhor Buda começou o sermão, os mundos estremeceram de júbilo. Os devas abandonaram a sua mansão celeste para ouvira as doces palavras da Verdade. Os santos que já haviam saído desde mundo congregaram-se em torno do Grande Instrutor para receber as felizes novas. Até os animais gozaram do benefício que fluía de suas sábias palavras. Todas as criaturas, deuses, homens e animais escutaram e compreenderam, Cada qual em seu grau de inteligência a luminosa mensagem de libertação. Assim disse o Senhor Buda: os raios da Roda são as regras da retidão de conduta. A justiça é a uniformidade de sua circunferência. A sabedoria é a sua faixa, a meditação é o cubo em que se fixa o eixo da verdade inflexível. Aquele que percebe a existência da dor e conhece a sua causa, o seu remédio e a sua extinção, compreende as quatro nobres verdades e está em bom caminho. Seu reto propósito será a luz que iluminará seus passos, e a palavra verdadeira o seu refúgio. Caminhará em linha reta, porque reta é a conduta. O trabalho honroso terá seu consolo. Seus esforços serão seus passos. Seus bons pensamentos, seu hálito e a paz serão sua companheira inseparável. Tudo quanto teve princípio terá fim. É vão todo cuidado com a personalidade, todas as atribulações que a afetam são passageiras, e se desvanecerão como um pesadelo quando o sonhador acorda. Quem desperta para o conhecimento da Verdade, livra-se de todo temor e conhece a futilidade de suas inquietações, ambições e sofrimentos. Acontece que, às vezes, ao sair de um banho, a pessoa pisa numa corda úmida e a confunde com uma serpente. Horrorizada sofre a agonia idêntica à causada por uma picada venenosa. Quão alegre ficará o homem ao reconhecer o seu engano e a não existência de tal serpente. O motivo de seu espanto está no seu erro, na sua ignorância e ilusão. Quando souber que pisou numa corda, reconquistará o sossego e a tranquilidade. Essa é a atitude de quem conhece a ilusão da personalidade, e que a causa de todas as suas dores, sofrimentos, inquietações e vaidades é uma miragem, uma sombra, um sonho. Feliz aquele que vence o egoísmo, alcança a paz e encontra a Verdade. A Verdade liberta-nos do mal. Não há no mundo libertador igual. Confiem na Verdade, mesmo que no começo a sua doçura pareça amarga. O erro extravia, a ilusão é a mãe do mal, embriagada como bebida fermentada. Todavia, muito logo se desvanece, deixando o homem abatido e desgostoso. A personalidade é uma febre, uma visão passageira, um sonho. Porém a Verdade é sublime, saudável, eterna. Unicamente a Verdade é imortal, permanece para sempre. Exposto esse ensinamento, o venerável Kaudinya, o discípulo mais idoso, viu a Verdade com os olhos do espírito e exclamou: Certamente, Oh Senhor Buda, o senhor encontrou a Verdade! E os devas, os santos e os espíritos bons das gerações mortas, que ouviram o Sermão do Tathágata, receberam alegres a doutrina e exclamaram: Em verdade o Bem-aventurado comoveu a Terra. Pôs em movimento a Roda da Lei, sem que ninguém no universo, deuses e homens, possam movê-la em sentido contrário. A mensagem da Verdade será proclamada em todo o mundo. A justiça a boa vontade e a paz reinarão na Terra. Abraço. Davi 

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

CONFÚCIO - OS ANALECTOS. INTRODUÇÃO II

Confucionismo. www.rl.art.br. CONFÚCIO – OS ANALECTOS. INTRODUÇÃO II. Mas dizer que ter palavra é algo próximo de ser uma pessoa moral é dizer que os dois não são idênticos. Inevitavelmente, há casos em que a aderência ao princípio de ser coerente à própria palavra levará a uma ação que não é moral. Confúcio descreve “Um homem que insiste em manter sua palavra e em levar suas ações até o fim” como alguém que demonstra “uma teimosa estreiteza da mente” (XIII.20). Em segundo lugar, há ching (reverência). Trata-se de um conceito bem antigo. Na antiga literatura Chou, ching descreve o estado de espírito de um homem que toma parte em um sacrifício. É diferente daquele demonstrado em outras religiões. Em outras religiões, há medo e abjeta submissão em face ao poder da deidade. Ching, diferentemente, é oriundo da consciência da imensidão da responsabilidade de alguém em promover o bem-estar do povo. É uma combinação de medo de fracassar na responsabilidade de que alguém é imbuído com a solene e única concentração voltada para o cumprimento satisfatório dessa responsabilidade. Em Os analectos, ching ainda mostra alguns traços dessa conexão com religião. Há uma passagem na qual é mencionado em relação com os sacrifícios. Confúcio disse: “manter-se à distância dos deuses e dos espíritos enquanto lhes mostra reverência pode ser chamado de sabedoria” (VI.22). Sob sua outra acepção, ching sempre é mencionado de forma ligada a questões de governo e a como servir um superior. O termo ching (reverência) deve ser distinguido do kung (respeito). O último é uma questão de atitude aparente e modos. Kung é normalmente mencionado de forma relativa à observância dos ritos. Por exemplo, o cavalheiro é “respeitoso para com os outros e observa os ritos” (XII.5), e dirige sua atenção a “ter um comportamento respeitoso” (XVI.10). Um homem deve ser respeitável nas suas relações com os outros porque, desse modo, ele pode evitar insultos e humilhações. “Se um homem é respeitoso, ele não será tratado com insolência” (XVII.6). “Ser respeitoso significa ser observador dos ritos, no sentido de que isso possibilita que se fique longe da desgraça e do insulto” (I.13). Isso mais ou menos completa o resumo das maiores virtudes morais que fazem parte da formação de um cavalheiro. Entretanto, deixei, deliberadamente, yi para o fim. Yi é uma palavra que pode ser usada em relação a uma ação, quando ela pode ser considerada “correta”, ou pode ser usada para designar um ato que uma pessoa deveria fazer, quando então significa “dever”, ou pode se referir a uma pessoa, quando então significa “correto” ou “cumpridor do dever”. Quando usado no sentido amplo, às vezes a única tradução possível é “moral”, ou “moralidade”. De certa forma, a maior parte das palavras que denotam virtudes morais pode ser aplicada tanto a pessoas quanto a ações. Entretanto, no que diz respeito a isso, yi é diferente das outras palavras morais. Coloquemos, por exemplo, em contraste com a benevolência. Claro que tanto uma ação quanto uma pessoa podem ser descritas como benevolentes, mas benevolência é basicamente uma característica de pessoas, e sua aplicação a atos é apenas derivativa. Um ato benevolente é o ato de um homem benevolente. Como característica de pessoas morais, benevolência tem mais a ver com disposição e intenção do que com circunstâncias objetivas. O contrário é verdade sobre a retidão. Retidão é basicamente uma característica de atos, e sua aplicação a pessoas é derivativa. Um homem é correto apenas na medida em que faz o que é certo. A retidão dos atos depende da sua conveniência moral nas dadas circunstâncias e tem pouco a ver com a disposição ou a intenção da pessoa que age. É aqui que a distinção entre agente-ético e ação-ética se torna relevante. Antes dissemos que Confúcio estava mais interessado nas virtudes morais do homem do que na qualidade moral dos seus atos. Mas nenhum sistema moral pode ser baseado apenas em virtudes morais, e o sistema de Confúcio não é exceção. Vimos que, no que diz respeito aos próprios interesses de uma pessoa, a oposição é entre vantagem a ser obtida e retidão. Novamente, no teste para saber se coragem é uma virtude, é o yi que é o critério. Embora Confúcio não o declare explicitamente, não se pode deixar de ficar com a impressão de que ele percebeu que, em última instância, yi é o critério pelo qual todos os atos devem ser julgados enquanto não há outro critério pelo qual yi pode ser julgado. Afinal de contas, mesmo a benevolência não carrega sua própria garantia moral. “Amar a benevolência sem amar o aprendizado pode levar à tolice” (XVII.8). Como veremos, o objetivo a ser perseguido por meio do estudo, nesse contexto, provavelmente deve ter sido os ritos, e os ritos, como regras de conduta, só podem, em última análise, ser baseados no yi. Podemos então dizer que no sistema moral de Confúcio, embora a benevolência ocupe uma posição mais central, yi é, ainda assim, mais fundamental. Nenhuma referência ao cavalheiro estará completa a menos que algo seja dito sobre sua atitude em relação a t’ien (Céu) e t’ien ming (Decreto do Céu), mas essa tarefa acaba por revelar alguma dificuldade. Em primeiro lugar, à parte t’ien ming – literalmente, o comando do Céu –, ming também é usado por si só, e parece haver uma diferença básica entre as duas expressões. Em segundo lugar, o termo t’ien ming é encontrado apenas duas vezes em Os analectos, e é difícil fixar uma interpretação para o termo partindo de uma base tão pequena. Entretanto, a tentativa tem que ser feita, já que a distinção entre t’ien ming e ming parece ser vital para o entendimento da opinião de Confúcio. Embora t’ien ming ocorra apenas duas vezes em todos Os analectos, para nossa sorte trata-se de um termo considerado antigo. A crença no decreto divino muito provavelmente remonta a uma época bem anterior à fundação da dinastia Chou, por volta do final do segundo milênio AC. A teoria sobre o decreto do céu foi, mais provavelmente, uma inovação da parte do duque de Chou. De acordo com essa teoria, o Céu se importa profundamente com o bem-estar do povo, e o imperador é enviado expressamente para promover esse bem-estar. Ele governa em função do Decreto do Céu e permanece imperador apenas na medida em que exerce essa função. Assim que ele esquece sua função e começa a governar visando seus próprios interesses, o Céu retirará o Decreto e elegerá alguém mais merecedor para a tarefa. Assim o Decreto do Céu é um imperativo moral e, como tal, nada tem a ver com o comando do Céu em relação às coisas que acontecem no mundo. O único desenvolvimento da época de Confúcio foi que o Decreto do Céu não era mais restrito ao imperador. Todo e qualquer homem estava sujeito ao Decreto do Céu, que o obrigava a ser moral e transformava em dever estar à altura das demandas desse Decreto. Confúcio disse: “Aos cinquenta anos, entendi (chih) t’ien ming” (II.4). Isso implica que t’ien ming é algo difícil de ser compreendido, mas também mostra, inconfundivelmente, que é algo passível de ser entendido. A única outra menção a t’ien ming em Os analectos é quando Confúcio disse que era uma das coisas que o cavalheiro temia (XVI.8). Quanto à possibilidade de ming ser simplesmente usado como abreviação para t’ien ming nos textos mais antigos, não há dúvida de que na época de Confúcio ming já havia se tornado um termo com um significado diferente e independente. Esse significado é melhor ilustrado pelo dizer citado por Tzu-hsia em uma conversa com Ssu-ma Niu: “vida e morte são uma questão de ming; riqueza e honra dependem do Céu” (XII.5). O contexto mostra que ming é usado no sentido de Destino e que Céu é apenas um sinônimo para ming. Há uma observação de Mêncio na qual Céu e Destino também são justapostos como sinônimos e que pode servir como uma glosa sobre esses termos. Mêncio disse: “Quando uma coisa não é feita por ninguém específico, então é um trabalho do Céu; quando uma coisa acontece sem que ninguém a provoque, então é o Decreto” (V.A.6). Dessa forma, há certas coisas que são provocadas, não por ação humana, mas pelo Destino. Essas são as coisas sobre as quais a vontade humana não tem influência. Se um homem vai ser rico, ter honra e uma longa vida, é algo da alçada do Destino. Nenhum esforço da parte dele vai fazer qualquer diferença no resultado. Assim, no contexto das fortunas de um indivíduo, ming é o seu quinhão. Por exemplo, duas vezes Confúcio disse sobre Yen Yüan, que morreu jovem, que “infelizmente, o tempo de vida que lhe coube (ming) era curto, e ele morreu” (VI.3, XI.7). Novamente, ele corrigiu Tzu-kung por recusar-se a aceitar seu quinhão (ming) e por ganhar dinheiro (XI.19). A razão pela qual tanta importância é dada do ming é a seguinte: se um homem está convencido de que todas as coisas desejáveis da vida se devem ao Destino, ele perceberá mais facilmente a futilidade de persegui-las e, em vez disso, conduzirá seus esforços na busca da moralidade. Moralidade é o único objeto que um homem deveria perseguir porque ser moral reside apenas em fazer tal esforço, e não no resultado bem-sucedido da ação de um homem. Esse é o significado da frase “Um homem não pode se tornar um cavalheiro a menos que entenda o Destino (chih ming)” (XX.3). A frase chih ming (entender o Destino) parece-se muito com a frase chich t’ien ming (entender o Decreto do Céu), que, conforme vimos, Confúcio usou referindo-se a si na idade de cinquenta anos; mas o significado, na verdade, é muito diferente nos dois casos. Entender o Decreto do Céu é entender por que o Céu assim deveria decretar, mas entender Destino é saber que algumas coisas na vida acontecem sob a influência do Destino e que é fútil tentar persegui-las. A diferença entre t’ien ming e ming pode ser resumida do seguinte modo: t’ien ming, como imperativo moral, diz respeito ao que o homem deveria fazer; ming, no sentido de Destino, tem a ver com como acontecem as coisas que acontecem. T’ien ming, necessariamente difícil de ser compreendido, é, ainda assim, compreensível; já ming é um total mistério. O que t’ien ming ordena nós devemos obedecer; o que reside no domínio de ming devemos deixar em paz. Se ming e t’ien ming são termos de sentido diferente, igualmente há dois sentidos de t’ien (Céu), cada um correlato a um dos dois termos. Já vimos que Céu foi usado como sinônimo de Destino na observação de Tzu-hsia. Esse também é o caso em lamentações ou exclamações de fé. Tome estes dois casos, por exemplo. Quando Yen Yüan morreu, Confúcio disse: “Ai! O Céu está me destruindo! O Céu está me destruindo!” (XI.9). Entretanto, quando Jan Po-niu foi atingido por uma terrível doença, Confúcio disse: “Deve ser o Destino!” (VI.10). Nessas duas observações, Céu e Destino parecem ser termos intercambiáveis. Por outro lado, há casos em que o termo Céu parece trazer um significado muito diferente de Destino. Por exemplo, quando sua vida esteve em perigo em Sung, Confúcio disse: “O Céu é o autor da virtude que há em mim. O que pode Huan T’ui fazer comigo?” (VII.23). Na ocasião em que Tzu-lu foi caluniado, ele, entretanto, disse: “Como pode Kung-po Liao desafiar o Destino?” (XIV.36). Os dois comentários me parecem ter significados muito diferentes. No último caso, Confúcio estava, com efeito, dizendo “Que será, será”. No primeiro caso, entretanto, ele estava dizendo que o Céu o dotara com uma virtude especial para que ele pudesse suportar t’ien ming de acordar o império para seus objetivos morais e que, se fosse permitido que Huan T’hui o matasse, o Céu estaria frustrando os próprios propósitos. Céu, como sinônimo de ming, é o agente que provoca o que acontece, mas, quando se trata de proposta moral e imperativo moral, o Céu é a fonte do Decreto. Quanto a se, em última análise, é o mesmo Céu que é responsável tanto por acontecimentos que estão predestinados quanto pelo decreto de imperativos morais, e ainda quanto a saber se ming, como Destino que provoca os acontecimentos também tem um aspecto imperativo, não temos meios de decidir, mas o importante é que, para fins práticos, ming e t’ien ming limitam e definem para nós a esfera legítima da influência humana. Antes vimos a importância da distinção entre li (lucro, ganho ou vantagem) e yi (retidão). A distinção entre ming e t’ien ming é, com efeito, a mesma distinção, vista de um ângulo diferente. Li pertence a ming e, portanto, não é um objeto para ser perseguido apenas por si. Yi pertence ao t’ien ming e é, consequentemente, algo que devemos seguir. Até agora lidamos apenas com as qualidades morais do cavalheiro. Para dar a essas qualidades sua máxima expressão, o cavalheiro deve tomar parte no governo. Isso, entretanto, não significa que o árduo processo de auto cultivo e aprendizado seja meramente um meio para se chegar ao objetivo da promoção pessoal. Confúcio disse: “Não é fácil achar um homem capaz de estudar durante três anos sem pensar em receber um salário” (VIII.12), e ele aprovou quando Min Tzu-ch’ien não se considerou pronto quando lhe foi oferecido um cargo (VI.9). Mas como um homem pode se preparar para o trabalho apenas por meio do estudo, enquanto estuda ele está, na verdade, preparando-se para uma carreira oficial, ao mesmo tempo (XV.32). Estudar e ocupar um cargo são as atividades gêmeas inseparáveis do conceito do cavalheiro. “Quando um homem com um cargo oficial descobre que pode fazer mais do que dar conta dos seus deveres, então ele estuda; quando um estudante descobre que ele pode mais do que dar conta dos seus estudos, então ele aceita um cargo oficial” (XIX.13). Mas que um homem deve se preparar adequadamente para o trabalho não é a única precondição para ele ocupar, de fato, um cargo. A época deve ser a correta, também. Que um homem seja tão ambicioso a ponto de estar pronto para ocupar um cargo oficial independentemente de a ordem reinar no reino ou não é algo condenado por Confúcio. “É vergonhoso”, ele disse, “fazer do salário seu único objetivo, indiferente quanto a se o Caminho prevalece no reino ou não” (XIV.1). A razão disso é que quando o Caminho não prevalece em um reino, um homem só pode permanecer no cargo quebrando seus princípios. Se um homem não faz isso, pode colocar a si mesmo em perigo. Em uma situação como essa, a única escolha de alguém é ficar longe de problemas, devotando a si mesmo à busca do mais elevado padrão moral na sua vida como um cidadão. Shih Yü era certeiro como uma flecha quanto a se o Caminho prevalecia no reino ou não. Tudo o que Confúcio admitia quanto a ele era que ele era correto. Por outro lado, Ch’ü Poy ü, que foi empossado quando o Caminho prevalecia no reino mas que se deixou ser enrolado e guardado em algum lugar seguro quando o Caminho caiu em desgraça, foi descrito por Confúcio como um cavalheiro (XV.7). Essa é uma atitude que Confúcio manifesta várias vezes. “O Mestre disse de Nan-jung que, quando o Caminho prevaleceu no reino, ele não foi posto de lado e, quando o Caminho caiu em desgraça, ele ficou longe da humilhação e da punição” (V.2). Ning Wu Tzu era inteligente quando o Caminho prevaleceu no reino, mas pareceu estúpido quando o Caminho caiu em desgraça. O comentário de Confúcio foi: “Outros podem igualar sua inteligência, mas não podem igualar sua estupidez” (V.21). Amaneira para ficar longe de problemas ao mesmo tempo em que se mantém a própria integridade moral, de acordo com Confúcio, é a seguinte: “Quando o Caminho prevalece no reino, fale e aja destemidamente e com altivez; quando o Caminho não prevalece, aja destemidamente e com altivez mas fale com reserva e de modo suave” (XIV.3). Isso é condizente com sua ideia de que um homem não deveria se preocupar com questões do governo a menos que sejam da sua alçada e com a opinião de Tseng Tzu de que o cavalheiro não permite a seus pensamentos irem além do seu cargo (XIV.26). Que ele não considerava isso algo fácil de ser seguido é mostrado em seu comentário para Yen Yüan: “Apenas você e eu temos a habilidade de aparecer quando requisitados e de desaparecer quando deixados de lado” (VII.11). Entretanto, quando o caminho prevalece no reino, não apenas é o dever de um homem ocupar um cargo oficial como ocupar um cargo oficial é a culminação dos anos de preparação para tal acontecimento. Assim, de acordo com Confúcio, não apenas é “vergonhoso ser rico e nobre quando o Caminho cai em desgraça no reino”, mas igualmente “é vergonhoso ser pobre e humilde quando o Caminho prevalece no reino” (VIII.13). A proposta última do governo é o bem-estar do povo (min). Esse é o mais básico princípio do confucionismo e permaneceu imutável ao longo do tempo. Promover o bem-estar do povo começa com satisfazer suas necessidades materiais. Tzu-kung perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Dê-lhes comida suficiente” (XII.7). Para atingir esse objetivo, o trabalho do povo deve ser empregado nas épocas certas (I.5), isto é, ele não deve ser tirado de sua terra durante as épocas de mais trabalho. Em termos mais amplos, Tzu-ch’an era considerado generoso no trato com o povo e justo ao empregar o seu trabalho (V.16). Mas além das necessidades básicas, o povo também deve ser provido com armas em quantidade suficiente. Entretanto, antes que possa ser mandado para a guerra, também lhe deve ser dada educação adequada. Confúcio disse: “Mandar o povo para a guerra sem que ele tenha educação é jogá-lo fora” (XIII.30). Em que consiste essa educação, não ficamos sabendo. Apesar de a educação que o governante dá ao povo provavelmente ser diferente dos ensinamentos que Confúcio dá aos seus discípulos, é inconcebível que tal educação seja exclusivamente de natureza militar. Deve incluir elementos morais importantes. De outro modo, é difícil entender por que demoraria tanto tempo, já que, de acordo com Confúcio, “Depois que um homem bom educou o povo por sete anos, aí então o povo estará pronto para pegar em armas” (XIII.29). Entretanto, alimento e armas não são as coisas mais importantes que o povo deve ter. Sobretudo, é preciso que eles tenham confiança no governante e é preciso que vejam nele um exemplo. Em resposta à pergunta de Tzu-kung sobre o governo, Confúcio disse: “Dê-lhes comida suficiente, dê-lhes armas suficientes, e as pessoas comuns confiarão em você”. Quando ele perguntou de qual dos três se deveria abrir mão antes, sua resposta foi: “Abra mão das armas”. Isso não causa surpresa se considerarmos a atitude de Confúcio em relação ao uso da força na guerra, mas sua próxima resposta, sim, é surpreendente. Quando pressionado a dizer de qual dos dois restantes se deveria abrir mão primeiro, sua resposta foi: “Abra mão da comida. A morte sempre esteve conosco, desde o começo dos tempos, mas quando não há confiança, as pessoas comuns não terão nada a que se agarrar” (XII.7). Essa ênfase quanto à base moral do governo é fundamental para os ensinamentos de Confúcio. Ele disse: Guie-o por meio de editos, mantenha-o na linha com punições, e o povo se manterá longe de problemas, mas não terá noção de vergonha. Obrigações e punição podem, na melhor das hipóteses, garantir um aparente conformismo. O povo vai ficar longe de problemas não porque tenha vergonha de fazer algo errado, mas porque tem medo da punição. Em contraste a isso: Guie-o pela virtude, mantenha-o na linha com os ritos, e o povo, além de ser capaz de sentir vergonha, reformará a si mesmo. (II.3). Quando o povo reforma a si próprio e tem noção de vergonha, a lei e, por conseguinte, a ameaça de punição nunca precisa ser evocadas. A orientação pela virtude, entretanto, não pode ser efetiva a menos que o governante dê um exemplo moral para o seu povo. Aqui, talvez, deveríamos observar o fato de que a palavra chinesa cheng (governar) e cheng (corrigir) são homófonas. Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio respondeu: “Governar (cheng) é corrigir (cheng). Se você der exemplo ao ser correto, quem ousaria continuar sendo incorreto?”. (XII.17) Há um ponto positivo e um negativo quanto a isso. O ponto negativo é que se o próprio governante falha em ser correto mas insiste em punir seus súditos por serem incorretos, ele estará se colocando acima da lei, e o povo terá consciência da injustiça. O ponto positivo é que o povo sempre olha para os seus melhores homens, e se aqueles em posição de autoridade dão um exemplo, isso será imitado mesmo se o povo não receber ordens para assim fazer. Esse ponto fica bem claro na seguinte passagem: O Mestre disse: “Se um homem é correto, então haverá obediência sem que ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá obediência, mesmo que ordens sejam dadas”. (XIII.6). Um bom exemplo é muito mais efetivo do que editos, e onde editos contradizem o exemplo, é o exemplo de que o povo vai levar em consideração, e não os editos. Esse ponto é colocado de modo mais persuasivo por Confúcio em outra ocasião. Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: “O que o Mestre pensaria se, para chegar mais próximo àqueles que seguem o Caminho, eu matasse aqueles que não o seguem?”. Confúcio respondeu: “Qual a necessidade de matar para administrar um governo? Apenas deseje o bem e o povo será bom. A virtude do cavalheiro é como o vento; a virtude do homem comum é como grama. Que o vento sopre sobre a grama, e ela com certeza se dobrará”. (XII.19) Aqui, Confúcio estava falando sobre os “homens vulgares” – aqueles que presumivelmente gozavam de poder político embora pertencessem à classe dos governados – e não sobre o povo, mas o que é verdade sobre o homem vulgar forçosamente é verdade também quanto ao povo. O bom exemplo tem uma influência que, embora imperceptível, é, de fato, irresistível. É, portanto, da maior importância colocar os homens corretos em posição de autoridade. Em resposta à pergunta a ele colocada pelo duque Ai, “O que devo fazer para que o povo veja em mim um exemplo?”, Confúcio disse: “Promova os homens corretos e coloque-os acima dos desonestos, e o povo o admirará. Promova os homens desonestos e coloque-os acima dos homens corretos, e o povo não o admirará” (II.19). Em outra ocasião, falando com Fan Ch’ih, Confúcio aprofundou a questão. Promover os justos e colocá-los acima dos corrompidos pode “endireitar os corrompidos” (XII.22). Tzu-hsia, a quem Fan Ch’ih relatou o comentário, ilustrou-o com um episódio histórico. Ao promover os justos a posições de autoridade, Shun e T’ang afastaram aqueles que não eram benevolentes. Já que a influência por meio de um bom exemplo funciona de um modo imperceptível, o governante ideal é frequentemente caracterizado não apenas como alguém que não faz nada, mas também como alguém que, aos olhos do povo, nada fez que pudesse ser valorizado. “O governo pela virtude pode ser comparado à estrela Polar, que comanda a homenagem da multidão de estrelas sem sair do lugar” (II.1). T’ai Po abdicou do seu direito de governar, “sem dar ao povo oportunidade de louvá-lo” (VIII.1). Yao foi o rei que se espelhou no Céu, o único que é grande, mas “ele era tão grandioso que o povo não tinha palavras para louvar as virtudes” (VIII.19). Essa descrição do governante ideal é aparentemente muito semelhante à oferecida pelos taoístas, mas na verdade as duas são bem diferentes. O governante taoísta genuinamente não faz nada porque o Império funciona melhor quando deixado em paz. O governante confucianista apenas aparenta nada fazer porque a influência moral que ele exerce funciona de modo imperceptível. Não podemos encerrar o assunto do governo sem discutir a atitude de Confúcio para com o povo (min) ou as pessoas. Ele não tentou disfarçar o fato de que, no seu ponto de vista, o povo era muito limitado intelectualmente. Ele disse: “O povo pode ser obrigado a seguir um caminho, mas não pode ser forçado a entendê-lo”. (VIII.9). O povo não consegue entender por que razão é conduzido ao longo de um caminho em específico, pois nunca se dá o trabalho de estudar. Ele disse: “Aqueles que nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo. A seguir vêm aqueles que voltam-se para o estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades” (XVI. 9). Não é de surpreender que Confúcio tivesse tal opinião. O estudo, tal qual por ele concebido, é um árduo processo que nunca se completa. As pessoas comuns são imensamente prejudicadas. Raramente têm a capacidade de estudar e praticamente nunca têm a oportunidade. Nas raras ocasiões em que têm tanto a capacidade e a oportunidade, é pouco provável que consigam aguentar o rigor da tarefa. Confúcio descreveu como o seu discípulo favorito, Yen Hui, conseguiu seguir os estudos obstinadamente nas seguintes palavras. “Como Hui é admirável! Morar em um pequeno casebre com uma tigela de arroz e um concha de água por dia é uma provação que a maioria dos homens acharia intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe sua alegria. Como Hui é admirável!” (VI.11). Confúcio podia não ter uma opinião muito boa quanto às capacidades intelectuais e morais das pessoas comuns, mas absolutamente não é verdade que ele tenha diminuído a importância delas no esquema geral das coisas. Talvez seja precisamente porque o povo é incapaz de garantir seu próprio bem-estar sem receber auxílio que o dever supremo do governante é trabalhar em benefício do povo, proporcionando a ele o que lhe é benéfico. As pessoas comuns deveriam ser tratadas com o mesmo amor e carinho dispensados a nenês, que são indefesos. Isso é anunciado em um comentário memorável do Livro da História citado por Mêncio: os governantes antigos agiam “como se estivessem cuidando de um recém-nascido”. Mêncio descreve tais governantes como mãe e pai do povo. É, portanto, inegável que Confúcio advogava um forte paternalismo no governo, e isso permaneceu imutável como princípio básico ao longo de toda a história do confucionismo. A importância das pessoas comuns e seu bem-estar é enfatizada repetidas vezes em Os analectos. Por exemplo, Tzu-kung disse: “Se houvesse um homem que desse generosamente ao povo e trouxesse auxílio às multidões, o que você pensaria dele? Ele poderia ser considerado benevolente?”. O Mestre disse: “Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se precisa descrever tal homem, sábio é, talvez, a palavra adequada. Mesmo Yao e Shun achariam difícil realizar tanto.” (VI.30) Se lembrarmos que Yao e Shun eram tidos em alta conta por Confúcio e o quão pouco inclinado ele era a dar o título de “sábio” para qualquer pessoa, podemos ver o imenso significado do comentário. Finalmente, Confúcio disse que se ele elogiava alguém, podia-se ter certeza de que esse alguém havia sido testado. O teste se revelou ser o governo das pessoas comuns, pois ele continuou ao dizer: “Essas pessoas comuns são a pedra de toque por meio da qual as Três Dinastias foram mantidas no caminho certo” (XV. 25). O único teste ao qual é submetido um bom governante é quanto a se ele tem êxito em promover o bem-estar das pessoas comuns. Até agora examinamos apenas as qualidades morais indispensáveis ao cavalheiro, mas o ideal do cavalheiro é mais amplo do que o do homem moral. É necessário mais atributos para se ter o perfeito cavalheiro. Para entender isso, é preciso primeiro darmos uma olhada em dois termos, wen e chih. Chih, dos dois, é o mais fácil de ser compreendido. É a matéria-prima ou a substância nativa da qual um homem ou uma coisa é feita. Wen é mais difícil de compreender por causa da sua ampla aplicação. Em primeiro lugar, wen significa um belo padrão. Por exemplo, o padrão das estrelas é o wen do céu, e o padrão da pele de um tigre é o seu wen. Aplicado ao homem, refere-se às belas qualidades que ele adquiriu por meio da educação. Daí o contraste com chih. Aquilo que um homem adquire por meio da educação cobre uma ampla gama de realizações. Inclui talentos como arqueiro ou na condução de carruagens, de escrita e matemática, mas os campos mais importantes são a literatura e a música, uma conduta condizente à de um cavalheiro. Literatura, na época de Confúcio, significava, basicamente, as Odes, enquanto que música para Confúcio era a música tocada em cerimônias da corte e em cerimônias sacrificiais. Um comportamento condizente a um cavalheiro significava observância dos ritos, que incluía entre outras coisas o código da conduta correta. Além de denotar as realizações de um indivíduo, wen também pode ser usado para designar a cultura de uma sociedade como um todo. Assim, wen é uma palavra com uma ampla gama de significados, que em inglês (e português) são cobertos por uma variedade de palavras, como ornamento, adorno, refinamento, realização, boa educação e cultura. Não é suficiente para um homem nascer com uma boa substância nativa. Um longo processo de amadurecimento é necessário para dar a ele a educação indispensável a um cavalheiro. Quando Chi Tzu-ch’eng disse “O mais importante a respeito de um cavalheiro é o material do qual ele é feito. Para que ele precisa de refinamento?”, a opinião de Tzu-kung foi a de que não se podia separar refinamento da matéria, pois “a pele de um tigre ou de um leopardo, desprovida de pelos, não é diferente da de um cachorro ou de uma ovelha” (XII.8). O que Tzu-kung está dizendo é que são as qualidades totais de um cavalheiro – matéria prima assim como refinamento – que o distinguem dos “homens vulgares”, e é fútil separar a matéria-prima do refinamento, na equivocada tentativa de aponta-la como o fator básico. Em toda parte encontramos Confúcio enfatizando a importância do equilíbrio entre os dois elementos. Ele disse: “Quando a natureza de alguém prevalece sobre a educação recebida, o resultado será uma pessoa intratável. Quando a educação prevalece sobre a natureza, o resultado será uma pessoa pedante. Apenas uma mistura bem equilibrada das duas resultará em cavalheirismo” (VI.18). Há um comentário de Confúcio que joga alguma luz sobre o que seria essa substância nativa ou natureza. Ele disse: “O cavalheiro tem a moralidade como matéria-prima e, ao observar os ritos, coloca-a em prática, ao ser modesto dá-lhe expressão e, ao ser fiel às próprias palavras, a completa. Assim é um cavalheiro, de fato!” (XV.18). Aqui vemos que a relação entre chih e wen corresponde à relação entre moralidade (yi) e os ritos (li). Não basta um homem ter a inclinação natural de fazer o que é certo; é essencial que ele seja versado de modo que possa dar uma expressão refinada a essa inclinação. Um homem pode ter uma forte necessidade de mostrar respeito por outro homem em uma dada sociedade, mas, a menos que ele saiba o código de comportamento pelo qual esse respeito é expresso, ele ou falhará completamente em expressá-lo ou, no máximo, conseguirá expressá-lo de modo não totalmente aceito naquela sociedade. Isso traz à tona uma questão importante quanto aos ritos. Moralidade não consiste apenas na ação que afeta o bem-estar de outras pessoas. Às vezes também requer comportamentos que expressem uma atitude em relação às outras pessoas. Isso explica o fato de que a palavra li, embora tenha também uma conotação moral, é mais apropriadamente traduzida como “ritos” ou “ritual”. Como vimos, além da observância dos ritos, a parte mais importante de wen é a poesia e a música. É por isso que, quando um equivalente teve que ser encontrado para o termo ocidental “literatura”, a expressão usada foi naturalmente “wen hsüeh”. Esse parece ser um ponto conveniente a partir do qual avaliar a atitude de Confúcio para com a poesia e a música, já que a influência que o pensador exerceu nas gerações subsequentes foi imensa. O primeiro ponto a salientar é que na época de Confúcio a conexão entre a poesia e a música era muito próxima. Embora houvesse música que não envolvesse palavras, toda poesia podia, provavelmente, ser cantada. Por essa razão, Confúcio provavelmente tinha a mesma atitude para com ambas. Comecemos com a seguinte passagem: www.rl.art.br. Abraço. Davi 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

PREFÁCIO - COM A PALAVRA O AUTOR. O QUE É REALMENTE O CANDOMBLÉ

Religião Afro-brasileira. Candomblé. Livro Revendo o Candomblé - I. Por Eurico Ramos. PREFÁCIO - COM A PALAVRA O AUTOR. O Orixá nos chama, nós atendemos ao seu chamado e vamos servi-lo. Fazemos nossa iniciação, mudamos de situação espiritual, nos tornamos Omo-orixá. A responsabilidade é grande, tanto social como espiritual, e é com base nesse aspecto que Eurico Ramos - um filho de Aganju, descendente da Casa Branca. Onde tudo começou, nos transmite alguns ensinamentos. Filho da Casa Branca do Engenho Velho - Município de Salvador - BA, por onde passaram os maiores mestres de nossa tradição e lá deixaram seguidores crentes e dedicados. Eurico é hoje uma autoridade no assunto. Levado pela inspiração ancestral, e de seu orixá, é que o escritor se propôs a oferecer-nos esta obra. Que tem muito valor para os iniciados e praticantes da religião dos orixás. A forma discreta, clara, objetiva e esclarecedora é uma maneira didática com que o autor se expressa. Revendo o Candomblé é uma obra chamada para a continuação da leitura. O esclarecimento sobre as nações a partir da nossa, "Ketu", conduz o leitor a uma noção desta e das demais, induzindo-o a respeitá-las e valorizá-las. Levando dessa forma, o olorixá ao caminho da perfeição. Como diz o escritor, candomblé ou culto aos orixás não é somente Xiré, que mostra a plástica e o lúdico da nossa religião. Não é a exposição de ebós, de forma aleatória, aos que nada entendem, como animais mortos e expostos pelas ruas. Temos práticas internas de grande valor e que exigem recolhimento. Aliás, para o iniciado consciente, o nosso dia a dia é todo ritualizado. Com muita propriedade, o autor também nos esclarece sobre procedimento social e religioso, em nossa e fora dela, Qual a forma de recebermos e de apresentar-nos em outras casas. inclusive como deve ser o traje, o que deve ser lido com muita atenção. De forma inteligente nos é mostrado que nossa escola é o Axé, e que os nossos mestres são os nossos mais velhos. Vimos, neste trabalho, que candomblé é uma religião e que a diferença entre o candomblé e a umbanda é grande. Como a teologia, as vestimentas e tantos outros aspectos. O texto sobre alguns encantados e Ori é bem explicado, passando inclusive pelas folhas como elemento essencial ao culto dos orixás. Seu uso e alguns elementos como a água, o que é um rio, um oceano, uma fonte, a energia que emanam e como devemos tratá-los. Ao valorizarmos os símbolos, a comida de santo está incluída entre eles. O valor desde o seu preparo, até quando é retirada dos pés do orixá, onde devemos colocá-la. Prova que devemos nos preocupar com o meio ambiente. O autor explica de forma clara como e quando um Ilé Axé deve ser aberto e por quem. Fala sobre hierarquia, que é a mão mestre de todo Ilé Axé. Fica bem claro neste trabalho que o culto aos orixás é uma religião, e seu templo é lugar para rituais e concentração espiritual. Não é um clube que se possa trocar por qualquer mal-entendido, mostra que devemos viver para o orixá e não do Axé. Babá e iyalorixá são autoridades supremas, todos lhes devem respeito. Candomblé é causa, não é profissão. São diversos lembretes, interessantes e sérios, e é com muita propriedade que o autor nos passa esses ensinamentos. Daí recomendo que leiam e presenteiem com este livro. Vale a pena! Salvador - BA, Brasil, 16 de agosto de 2004. Maria Stella de Azevedo Santos. Com a palavra o autor. A ideia de escrever este livro nasceu a partir de programas de rádio que tenho a oportunidade de apresentar no Rio de Janeiro - Brasil, e também da participação em fóruns e salas de bate papo na internet que discutem o tema candomblé. Após alguns anos conversando com ouvintes no ar, visitando chats e teclando on-line com pessoas de todas as religiões do país. Adeptos, simpatizantes e curiosos, rapidamente percebi que, apesar de toda a popularização das religiões afrodescendentes. De toda a informação a que temos acesso nos dias de hoje. De todas as publicações disponíveis em livrarias, bibliotecas e também na web, as dúvidas das pessoas continuam as mesmas. O que é bastante curioso por um lado e muito preocupante por outro. Curioso, porque, além das informações ao alcance de todos, o número de praticantes aumentou muito nas últimas décadas, em todas as regiões do país. Preocupante porque, se temos hoje um número maior de adeptos e o advento considerável de novas casas de culto. Por que ainda existe tantas dúvidas, que considero básicas, a respeito da religião dos orixás? As conclusões a que cheguei certamente não agradarão a outros, mas pude comprovar, através dos próprios participantes desses chats e dos ouvintes que telefonam para o meu programa. O problema tem causas antigas, sendo uma delas, e talvez a pior de todas, o total despreparo de boa parte dos sacerdotes do candomblé de hoje com relação ao que é, de fato, o culto aos orixás. Muitos conceitos foram misturados ao longo do tempo, muitas coisas que simplesmente não existem foram acrescentadas ao culto. De tal forma isso afetou o universo do candomblé que não se conhecem mais os limites entre o culto real, extremamente lógico e completamente de acordo com a própria natureza. E aquele que se realiza em muitas e muitas casas e que vem se distanciando cada vez mais de suas origens africanas. Por isso, decidi escrever este livro. É importante deixar claro para você leitor, que não pretendo aqui, de modo algum, fornecer receitas mágicas ou fórmulas milagrosas para resolver problemas. Ou, ainda, revelar aspectos do culto que só podem e devem ser transmitidos, oralmente, aos iniciados. Quero sim, explanar sobre os conceitos ritualísticos que determinam a prática do candomblé de acordo com os dogmas professados na Casa Branca do Engenho Velho. Da qual, com muito orgulho, sou descendente direto. Eurico de agnju. Ilê Axé Edun Ará Obá Omo Yá Nassó Oká. Abraço. Davi. Candomblé. Livro Revendo o Candomblé - II. Por Eurico Ramos. Para começar a entender o Candomblé. 1.O QUE É REALMENTE O CANDOMBLÉ. O Candomblé é um culto estritamente brasileiro, cuja essência possui raízes africanas. Por que se diz que o candomblé é brasileiro? Porque o candomblé, tal como é professado pelos adeptos e como é reconhecido pelo Vaticano, só existe no Brasil. O candomblé nasceu quando tribos de diversas etnias foram aglutinadas dentro de uma mesma senzala - "alojamento destinado à moradia dos escravos, nas antigas fazendas ou casas de senhores feudais", ainda no período da escravidão. Isso fez com que ocorressem trocas culturais e miscigenação étnica entre essas várias tribos. Ocorrendo em seguida o seguinte fenômeno: ritos que eram professados nas mais longínquas regiões do continente africano. Em termos de divindades, cânticos e culto em geral, começaram a ser conhecidos, trocados e acomodados dentro de uma mesma senzala, por grupos de procedências diversas. A partir dessa aglutinação, teve início esse culto de origem africana, que nós conhecemos hoje como candomblé. 2. O que é a nação Ketu e qual a sua importância hoje no Brasil? Falar das tribos Ketu do panteão iorubano é um orgulho para nós, cuja raiz é a Casa Branca do Engenho Velho. Podemos dizer que as tribos provenientes da cidade de Ketu foram algumas das últimas a aportar no Brasil, e permaneceram como escravas por um período relativamente curto. Por esse motivo é que as tribos Ketu puderam guardar consigo todos os encantos, magia e misticismo da cultura africana original. O que não aconteceu com outros povos que aqui chegaram em tempos mais longínquos, como as tribos de origem banto. As tribos de Angola e Congo sofreram repressão, escravidão, influência dos padres jesuítas da Igreja Católica. Dos índios e de diversas outras culturas durante um período maior e por esses motivos perderam muito de sua essência. o que não aconteceu com as tribos Ketu e com as tribos Jeje. Por falar nas tribos Jeje, estas, inclusive, buscaram um regresso às terras africanas depois da Abolição da Escravatura em 13 de maio de 1888. As tribos Ketu tiveram suma importância na cultura nacional brasileira e isso é observado de forma bem clara na Bahia, em Salvador. Posteriormente, já em meados do século XX (1901-2000), ocorreu o mesmo no Rio de Janeiro, quando alguns remanescentes dessa nação começaram a aportar na nossa cidade. As tribos Ketu eram muito guerreiras, muito interligadas e primavam por manter vivos o seu idioma, as suas danças. E toda sua cultura, o que podemos constatar até os dias de hoje, características que muito se perderam em outras nações. 3. Por que o candomblé é uma religião? Qual é o conceito de religião, quais são os parâmetros para se reconhecer o que é uma religião? Religião existe quando há um culto prestado a uma divindade, a um ser supremo. É o conjunto de dogmas, práticas e rituais próprios de uma crença religiosa específica. É qualquer filiação a um sistema específico de pensamento ou crença que envolve uma posição filosófica, ética e metafísica. Isso está no dicionário, é assim que se define religião. Portanto, o candomblé é uma religião porque possui filosofia, mitologia, comidas, indumentárias, ritualística, códigos de conduta e idioma próprio - iorubá. Nas casas de Ketu, Kimbundo nas casas de Angola, fon nas casas Jeje. O candomblé possui as suas roupas próprias, as suas indumentárias litúrgicas - a roupa do santo, abadá, roupa de ração etc. Tem a sua cultura e tradição, modus vivendi, modus operandi. Enfim, o candomblé tem a sua liturgia própria, não devendo nada a religião alguma. Por esse motivo, o candomblé é visto como uma religião monoteísta. Abraço. Davi

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

XINTOISMO. Parte I

Xintoismo. Xintoismo - bushidor. XINTOÍSMO. Parte I. Mitologia e influência na formação da cultura e do caráter do povo japonês. Introdução. A concepção do xintoísmo para o japonês era de si tão natural, genérica e vasta, que até a chegada do budismo no século VI, não tinha nome especificado. Quando se acharam diante de uma religião estrangeira, denominaram a nativa de Kannagara no michi1 ou Xintô, que significa caminho dos deuses. É difícil saber exatamente o que era o xintoísmo antes da chegada do budismo. Não era apenas a única religião; era o único modo como os antigos japoneses se relacionavam com o mundo, pois acreditavam profundamente que os deuses, os homens e a Natureza são nascidos dos mesmos ancestrais: não havia separação conceitual entre a Natureza e o homem. "Não havia denominação para a Natureza, como algo apartado e distinto do homem, algo que pudesse ser contemplado pelo homem" (Sakamaki Shunzo in MOORE, 1975, p. 24). Ou seja, não havia distinção entre sujeito e objeto, observador e observado. O homem era apenas parte de um todo, "intimamente associado e identificado com os elementos e as forças do mundo em seu redor" (idem). Fato que se nota pela importância das principais divindades, entre as milhares, associadas aos principais fenômenos da natureza: o nascimento, o crescimento, as transformações e a morte (ibidem p. 25). Essa estreita proximidade com a Natureza e elementos de seu entorno constitui-se na principal característica do Xintô (HERBERT, 1964, p. 17). Supõe-se que o modo como viam o mundo2 “era uma forte concepção intuitiva de uma profunda unidade subjacente, biológica e física ao mesmo tempo, entre todos os homens (mortos, vivos e não-nascidos),  a Natureza e todas as entidades invisíveis ao homem, porém dignas de veneração” (HERBERT, 1977, p. 10). É, no dizer do professor Ono, "para os que veneram o kami, xintô é o nome coletivo de todas as crenças que compreendem a ideia do kami" (ONO, 1990, p. 3). Relacionando as três mais antigas correntes de pensamento que estão na gênese do pensamento japonês, teria dito o príncipe Shotoku , que difundiu o budismo no Japão: “O Xintoísmo é a raiz e o tronco de uma grande árvore robusta e transbordante em inesgotável energia; o Confucionismo são os galhos e as folhas e o Budismo são as flores e frutos” (HERBERT, 1977, p. 11). Por dois ou mais milênios, junto com o budismo e o confucionismo, essa religião autóctone moldou o caráter desse povo. Origem Perde-se nas brumas do tempo a origem do xintoísmo. Supõe-se que o local onde os aldeões se reuniam, no centro ou na entrada da aldeia, foi considerado sagrado e marcou-se  por um ponto característico, como um rochedo, uma caverna, uma montanha ou uma grande árvore (ROCHEDIEU, 1982, p. 67). Aí se debatiam os assuntos da aldeia e era também o local das festas. O marco passou então a ser venerado como sagrado, como um kami da aldeia (idem). Às vezes o local escolhido se dava em torno de alguma antiga família, talvez a pioneira da comunidade (ONO, op. cit., p. 27). Os santuários primitivos eram simples "altares ao ar livre, frequentemente esculpidos na rocha, sobre os quais se depositavam oferendas" (LITTLETON, 2002, p. 68). Não raro, em comunidades rurais, os santuários eram erigidos no interior de densas florestas, localização acessível apenas por gente da comunidade (ONO, op. cit., idem). É seguro então, afirmar-se que a adoração à Natureza se constituiu na fé primitiva do povo japonês, evidenciado pelos deuses  de estreita relação a ela: deusa do sol, deus da lua, deus da montanha, deus do mar, deus do vento entre outros (HARADA, 1914, p. 30). Em tempos primevos, quando ainda não se construíam santuários, acreditava-se que as divindades moravam longe e faziam visitas em ocasiões especiais. Era então preparado um pequeno abrigo de nome himorogi, cercado por corda de palha e ao centro, um ramo de árvore. Cercava-se o espaço também com rochas (iwasaka) (Ueda Kenji in TAMARU et alii, 1996, p. 31). Por acreditar que as divindades aí passaram a habitar, os abrigos tomaram a forma de casas. Não apenas a morada, mas também o espaço no entorno foi então considerado sagrado. Por serem construídos em meio à Natureza, nas montanhas, perto de cachoeiras ou em ilhas isoladas, a própria Natureza era vista como símbolo da divindade (ibidem p. 32). Como local sagrado, na construção de santuários, são seguidos  os princípios da simplicidade, pureza e harmonia com a Natureza (idem). Fontes do xintoísmo São os principais textos do xintoísmo: a) o Kojiki – escrito em 712, traz um relato das tradições conservadas oralmente até o ano 628; b) o Nihongi – escrito em 720, é cerca de duas vezes mais longo do que o Kojiki; é a continuação dos seus relatos até o ano 700; c) o Kogoshui, escrito em 807, fornece alguns detalhes ausentes nos dois escritos anteriores; d) o Sendai Kuji Hongi – escrito em dez volumes no final do IX século, relata a história do Japão da era dos deuses até o VII século; e) o Engi-shiki –  promulgado em 967, embora um texto de administração governamental, contém os três textos do Norito, liturgia que se oferece aos Kami. (HERBERT 1977, p. 13-14) Teogonia  – surgimento dos principais deuses do panteão xintoísta Lê-se na primeira seção do Kojiki: “os nomes dos Kami que tornaram-se no Alto Plano dos Céus (Takama-no-hara) no início do Céu  e da Terra são Ame-nominaka-nushi-no-kami (Augusto mestre do Centro do Céu), em seguida Takamimusubi-no-kami (Augusto elevado Kami que produz), e depois Kami-musubi-no-kami (Divino Kami maravilhoso que produz)” (ibidem p. 18). Na última geração nascem Izanagi (Varão que convida) e Izanami (Varoa que convida) (ibidem p. 28). A estes, os deuses ordenam consolidar e fazer nascer a Terra, entregando-lhes uma lança celeste ornada de jóias (ibidem p. 37-38). De sobre a Ponte Flutuante Celestial (Ame-no-uki-hashi), agitam com sua lança flamejante as águas do oceano e de seus pingos se forma a ilha Onogoro, a primeira terra do Japão, que muitos autores relacionam à Ilha de Awaji (ibidem p. 38). Seu nome significa auto-condensado e é a única entidade que não provém da união sexual dos deuses (ibidem p. 40). Após construírem  nesta ilha o Augusto Mastro Celestial e uma sala (ou palácio) de oito braças, ambos contornando o mastro, o homem pelo lado esquerdo e a mulher pelo direito, unem-se como homem e mulher.  Porém, tendo Izanami tomado a iniciativa, a união não resultou em boas crias e refizeram a união, cabendo desta vez a iniciativa ao homem (HERBERT, 1965, p. 50-51). No Nihongi consta versão na qual a mulher toma a iniciativa e faz o contorno pelo lado esquerdo, atendendo ao que lhe diz o homem, e este contorna o pilar pelo lado direito (ibidem p. 51). A união fracassou pelo resultado e a refizeram, invertendo os lados e cabendo a iniciativa da palavra desta vez ao homem (ibidem p. 52). O Nihongi descreve que após o nascimento de Awaji e de Hiruko, Izanagi e Izanami produzem o mar, os rios, as montanhas, as árvores e as ervas. O Kojiki lista o nascimento de outros elementos da natureza, nascendo por último o deus do fogo Kagu Tsuchi (ibidem p. 64-65). Do parto, Izanami tem sua genitália queimada, adoece, morre e desce ao reino dos mortos. Izanagi mata então o filho Kagu-tsuchi cortando-lhe o pescoço e de seu cadáver, nascem os deuses da montanha (HERBERT 1977, p. 48-50). Izanagi não se conformando vai buscar Izanami e lhe é pedido que espere enquanto ela pediria autorização para o Kami de Yomi (divindade das Trevas). Mas Izanami se demora e impaciente, Izanagi busca pela amada; ao encontrá-la,  Izanami já tendo se alimentado da comida dos mortos, encontra-se com o corpo já putrefato. Da cabeça, do peito, do ventre, da genitália, das mãos e dos pés de uma Izanami enfurecida saem então oito divindades, as deusas do Trovão (ibidem p. 50-51). Izanagi brande sua espada mas em vão. Estas, juntas com Izanami encolerizada perseguem Izanagi que lhes atira um ornato de cabeça preto que transformando-se em uva, é recolhido pelas divindades. Na fuga, desesperado, Izanagi atira três pêssegos às “horríveis mulheres de Yomi” e enquanto estas os comem, ele consegue escapar e fechar o reino dos mortos atrás de si, mas ouve a maldição de Izanami: "irei ao seu mundo todos os dias e trarei mil almas para o meu reino", ao que responde Izanagi: "e eu farei com que nasçam 1500 descendentes meus por dia" (ibidem p.  52,54). Esta maldição parece habitar ainda no inconsciente coletivo, representada quase sempre pela mulher como os seres terrificantes do mundo dos mortos. O homem é sempre a vítima aterrorizada. De fato, constitui tabu corrente para o japonês a invasão do mundo dos mortos, assim como a profanação do mundo dos kami, que pode resultar em algum mal, advertência que encontramos no provérbio "Sawaranu Kami ni tatarinashi" (não provém mal de kami que não é incomodado) (HARADA, op. cit.,  p. 46). Izanagi ao chegar ao reino dos vivos com as vestes esfarrapadas e putrefatas  vai banhar-se no rio. Atribui-se a este fato o grande apreço do hábito do banho  e a utilização da água em rituais de purificação xintoístas. Neste ato, de seu olho esquerdo nasce Amaterasu, a deusa do sol, de seu olho direito, Tsukiyomi, o deus da lua, e de seu nariz, nasce Susanowo, o deus dos mares (HERBERT, 1977, p. 56). É designado o reino dos Céus - Takama-no-hara -  como habitação de Amaterasu, mas não se conformando com o reino dos mares que foi-lhe designado habitar, Susanowo vai de vez em quando ao reino da irmã e lhe faz algumas maldades como destruir os diques da plantação de arroz (ibidem p. 62). No texto do Kogoshui lêse que enquanto a deusa Amaterasu trabalhava nos seus arrozais,  Susano-wo fincava estacas na plantação anunciando seu direito de propriedade, semeava campos já semeados ou abria-lhe os diques danificando a plantação de arroz (ibidem p. 72-73). Quando Susanowo atira um cavalo escanhoado na oficina de tear da irmã, que inspecionava o trabalho das tecedeiras, estas se assustam, se ferem gravemente nos teares e morrem (ibidem p.75). Amaterasu, decepcionada,  se retira para uma caverna e o universo mergulha na mais completa escuridão. Os deuses encarregam a divindade Omoikane-no-kami (Aquele que Integra o Pensamento) para trazer Amaterasu de volta. Este manda fazer um espelho místico de oito lados e junto com um colar de pedras preciosas os põe numa árvore sakaki - trazida do Monte Kagu -, na entrada da caverna, dispondo na base, oferendas. O deus então “reúne aves que cantam longamente ao País da Eternidade, e lhes faz lançar um ao outro seu canto prolongado” (ibidem p. 77). A tradição representa este ato – o canto preparatório para a cerimônia de resgate da deusa Amaterasu – nos portais chamados torii, à entrada dos santuários, indicando o limite entre o sagrado e o profano. O torii, que significa poleiro de aves, é também construído em locais considerados sagrados. A deusa Ame-no-Uzume-no-mikoto  sobe em cima de uma prancha que ressoa a seus pés e dança como se estivesse possuída por uma divindade pronunciando palavras divinamente inspiradas e descobre seus seios durante a dança (ibidem p. 84). A dança fez rir os oitocentos kami, o que atraiu a atenção de Amaterasu. Espiando levemente, surpreende-se com o riso das  divindades e a alegria de Ame-no-uzume que lhe diz estarem todos contentes por haver ali um kami mais ilustre que Amaterasu (ibidem p. 86). Os deuses encarregados aproximam então o espelho da deusa Amaterasu que, surpresa, deixa pouco a pouco a entrada da caverna para contemplá-la. Os deuses rapidamente fecham a caverna e ali põem um shimenawa, uma corda de palha de arroz trançada, e o mundo volta a ter o brilho do sol. Os deuses decidem proibir então a entrada de Susanowo no reino enviando-o definitivamente para o reino de Izumo, expulsando-o do reino dos Céus. Em Izumo Susanowo encontra  um casal de velhinhos chorando porque o monstro de oito cabeças e oito caudas, cujo corpo sanguinolento e flamejante de comprimento que se estende por oito vales e oito colinas, em cujas costas crescem musgos e árvores - uma grande serpente (ou dragão) chamada Yamata-no-Orochi - que já havia devorado sete de suas oito filhas, viria buscar a última (ibidem p. 93). Susanowo diz que matará o monstro e pede que providenciem então oito barris de saquê destilados oito vezes, postos em cada uma das oito plataformas atrás das oito portas (ibidem p. 94). Após algum tempo de espera, surge o gigante monstro aterrador que, atraído pelo cheiro da bebida feita de arroz fermentado, mergulha as oito cabeças nos oito barris, após passar pelas oito portas e bebendo o saquê, logo adormece e Susanowo decepa as oito cabeças com sua espada de oito palmos. Ao decepar também a cauda do monstro, danifica o corte da lâmina mas aí encontra uma grande espada cortante, conhecida como Kusanagi-no-tachi que posteriormente envia à deusa Amaterasu (idem). Ambas as espadas são veneradas em santuários. A primeira, chamada de Orochi-no-aramasa, que matou a serpente gigante é venerada no santuário Iso-no-kami-jingu na província de Nara e a outra, após breve passagem pelas mãos da deusa Amaterasu, (HERBERT, 1964, p. 243) é venerada no santuário Atsuta Jingu (HERBERT, 1977, p. 95). Os outros dois objetos sagrados,  o espelho e o colar de pedras preciosas são venerados no santuário de Ise na província de Mie, o mais importante do xintoísmo (HERBERT, 1965, p. 109). A moça, de nome Kushinada, casa-se então com Susanowo e na sexta geração, nasce o deus Okuni-nushino-kami (Grande organizador e consolidador da Terra) (HERBERT, 1977, p. 95-96). O príncipe Ninigi, neto de Amaterasu, recebe dos ancestrais celestes os três tesouros sagrados: o espelho, a espada e as jóias, antes de partir para a Terra com a missão de consolidá-la (ibidem p. 124). Segundo o Kojiki, Amaterasu ao entregar o espelho diz ao príncipe Ninigi: "considera este Espelho exatamente como se fosse Nosso augusto Espírito e venera-o como se tu venerasse a Nós" (HERBERT, 1964, p. 234). Segundo Kitabatake, a deusa teria dito também ao neto: " ilumine o mundo inteiro com o brilho desse Espelho. Reine sobre o mundo pelo maravilhoso [poder de] dominação dessas Jóias. Triunfe sobre aqueles que não se submetem brandindo essa Divina Espada" (ibidem p. 245). Na Terra, Ninigi casa-se com a filha de O-yama-tsu-mi, Kono-hana-saku-yahime que dá à luz quatro ou cinco filhos (HERBERT, 1977, p. 126-127), um dos quais, de nome Hiko-ho-ho-demi casa-se com Toyo-tama-hime, que torna-se mãe de Ugayafukiya-aezu. Este, casando-se com Tama-yori-hime torna-se pai de Kamu Yamato no Iware-hiko, mais tarde conhecido como Jinmu Tennô, o primeiro imperador (HERBERT, 1964, p. 52) que funda o país em 11 de fevereiro de 660 a. C. (SIEFFERT, 1968, p. 13). Como não havia caminhos no país, a deusa Amaterasu envia ao imperador Jinmu um corvo de três patas de nome Yatagarasu como guia para penetração no interior do país (HERBERT, 1965, p. 217). Simbolismos O erudito Chikafusa Kitabatake (1292-1354) fala sobre o simbolismo dos três tesouros do xintoísmo: O espelho não  possui nada que realmente lhe pertença, mas,   sem desejos egoístas, reflete todas as coisas revelando as suas verdadeiras qualidades. Sua   virtude reside na sua reação a essas qualidades, e como tal, ele representa a    fonte de toda honestidade. A virtude das jóias reside na sua doçura e    docilidade: são a fonte da compaixão. A virtude do sabre reside na sua    força e determinação: é a fonte da sabedoria. A   menos que o soberano reúna    em si mesmo estas três  virtudes,  terá  grande dificuldade  em  governar o    país (apud in HERBERT,1964,p.248)(m.t.)3. O Espelho A tradição de não se materializar em formas visíveis as divindades, é revelada pela ausência de imagens ou ídolos como objetos de adoração nos santuários xintoístas (HARADA, op. cit., p. 45). O espelho não é propriamente objeto de adoração, mas "tipifica o coração humano que na sua pureza reflete a imagem da divindade"(idem). "O espelho limpo reflete as coisas tais quais são; simboliza a límpida mente do kami e ao mesmo tempo é considerado como a simbólica corporificação sagrada entre o fiel e o kami" (ONO, op. cit., p.23). No Jinno Shotoki, de 1339, explica Kitabatake: "O espelho é a fonte da honestidade porque ele tem a virtude de responder de acordo com a forma dos objetos. Ele aponta os desejos divinos da justiça e da imparcialidade." (idem) Em alguns santuários xintoístas, os fiéis quando querem reverenciar mais formalmente algo além da tradicional reverência na entrada dos santuários, são  conduzidos pelo monge ao local sagrado onde está postado um espelho: sutil mensagem que convida o visitante à auto-reflexão (HARADA, op. cit., p. 45). Página 7. Abraço. Davi

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

CABALA - MITOS E VERDADES. Parte II

Judaísmo. Livro Um Guia para a Sabedoria Oculta da Cabala. Por Michael Laitman. CABALA - MITOS E VERDADES. Parte II. Fundamentos. A realidade real. A porta do "sexto sentido" se abre. Conhecendo o que queremos. No coração do egoísmo existe a verdadeira doação. Agora que já esclarecemos concepções errôneas comuns em relação a Cabala, vejamos do que realmente se trata. Este capítulo apresenta brevemente os conceitos básicos da Cabala. Os termos que apresentamos e discutimos nesse capítulo introduzem a linguagem da Cabala que usamos no livro. A Verdade sobre a Realidade. Em hebraico, a palavra Kabbalah significa "recepção". Mas Cabala não é apenas isso - recepção. E uma disciplina de estudo, um método que ensina você como receber. A Cabala lhe ajuda a saber onde você realmente se encontra em relação à onde você pensa que está. Mostra as limitações dos nossos cinco sentidos e desvenda a parte que eles não conseguem revelar você a desenvolver um "sexto sentido". Esse sexto sentido não somente enriquece sua vida com uma nova dimensão, mas abre uma porta para um "corajoso mundo novo". Não há morte nesse mundo, nem aflição e nem dor. E o melhor de tudo é que você não tem que desistir de nada para isso. Você não precisa morrer para chegar lá. Você não precisa jejuar ou se reprimir de nenhuma maneira. Em resumo, a Cabala não lhe separa da vida, ela acrescenta um novo significado e força a tudo aquilo que acontece. É isso mesmo, os Cabalistas vivem uma vida plena. Receber - Descubra a Força de Doar. Para entender o tipo de prazer que o Cabalista recebe, é essencial entender um conceito básico da Cabala. Em toda realidade, existe apenas uma única força - a força da doação. E, por essa força ser de doação, ela cria "algo" para receber aquilo que ela doa. "A força de doação da Cabala é chamada "Criador", e aquilo que ela cria é chamado "criação". O ser criado somos nós, a humanidade como um todo e cada um de nós pessoalmente. Essa criatura passa por um processo de aprendizado e desenvolvimento e no final descobre a grandeza e a beleza do seu Criador. Baal HaSulam explica que esta revelação do Criador pra a criatura é a essência e o propósito de toda a criação. A Realidade como um Bordado. Agora falemos mais um pouco sobre revelar o Criador. Quando BaalHaSulam descreve o objetivo como - a revelação da Divindade para suas criaturas nesse mundo. Ele quer dizer que a essência da Cabala (recepção) é descobrir o Criador porque isso é o que nos dar o maior prazer. Mais não é só isso. A Cabala explica que descobrir o Criador significa descobrir a lei que governa a Natureza. De fato, o Criador é a Natureza. Ao revelar essa lei da natureza, a Cabala pretende revelar a realidade inteiramente, em toda a sua escala. Revelando porque as coisas nos acontecem e como nós, não apenas podemos prevê-las, mas também mudá-las para o nosso benefício. Também, se você pode entender todas as facetas da natureza, você pode alcançar muito além das limitações dos nossos cinco sentidos. Como se alguém tivesse removido a venda de seus olhos e permitido que você visse a verdadeira vastidão e beleza do mundo. Como isso funciona e o que você realmente recebe? A realidade é como um bordado. Quando você olha para um bordado, você vê uma imagem coerente. Mas quando você olha por trás do bordado, para aqueles fios que fizeram a imagem. Você encontra um amontoado de fios e cordas, os quais você não é capaz de decidir onde começam e onde terminam e a que parte eles pertencem. A Cabala ajuda você a entender os fios por trás da imagem da realidade, e nos ensina como, nós mesmos, podemos nos tornar um bordador para que possamos construir uma imagem de acordo com nosso gosto. O sentido latente. A recepção em Cabala é a percepção do mundo espiritual. É um mundo invisível aos nossos cinco sentidos, todavia um que certamente experimentamos. Se tudo o que buscamos depende de nossos sentidos, então é lógico que para sentirmos o mundo espiritual precisamos de um sentido especial para percebê-lo. Em outras palavras, não precisamos procurar nada fora de nós mesmos, mas sim cultivar uma percepção que já existe dentro de nós que está adormecida. Na Cabala, essa percepção é chamada "sexto sentido". De fato, o título "sexto sentido" é um pouco enganador, não é um "sentido" no significado fisiológico da palavra. Mas por ele permitir que percebamos algo que de outra maneira não poderíamos. Os Cabalistas resolveram chamar essa maneira diferente de percepção de "sexto sentido" Aqui está a chave de tudo: nossos cinco sentidos são "programados" para servir nossos interesses pessoais. Por isso, tudo que percebemos é aquilo que serve aos nossos interesses. Se, por outro lado, nossos sentidos fossem programados para servir aos interesses do mundo inteiro, então é isso perceberíamos. Dessa maneira, cada um de nós seria capaz de perceber aquilo que toda outra pessoa, animal, planta ou mineral no universo percebe. Nós nos tornaríamos criaturas de percepção ilimitada. Em tal estado desligado, os cinco sentidos seriam usados de maneira muito diferente. Em vez de se concentrarem sobre interesses pessoais, eles serviriam de meio de comunicação com os outros. Isso é o motivo pelo qual o sexto sentido, que nos permite perceber o mundo espiritual, não é um sentido no mesmo sentido da palavra. A intenção é um conceito crítico na Cabala que nós exploraremos mais em detalhes no Capítulo 4. O Criador tem que doar - Nós temos que Receber. A Cabala é realmente muito simples, uma vez que a conheçamos. Ela explica que o Criador é benevolente e que Ele quer nos outorgar prazer infinito sem parar. Porque o Criador é benevolente. Ele nos criou com um desejo infinito e ilimitado de receber prazer. Ele quer outorgar. Na Cabala, isso é chamado "à vontade de receber". Na sua "Introdução ao Livro do Zohar" Baal HaSulam explica a necessidade do Criador de criar a vontade de receber (criaturas(). Como o pensamento da criação era outorgar às suas criaturas. Ele tinha que criar nas almas uma grande medida de desejo de receber o que Ele pensou em doar-lhes ... Assim sendo, o pensamento da Criação por si, necessariamente, dita a criação de um desejo excessivo de receber nas almas, para ajustar ao imenso prazer que o Todo Poderoso pensou doar as almas. Em outras palavras temos a capacidade, o potencial e até mesmo o desejo inconsciente de conectar-nos com o Criador e receber seus prazeres aumentando nossa alegria de viver. Egoístas até os ossos. Mas na prática, existem consequências pra tamanha vontade de receber. BaalHaSulam descreve a complexidade da condição humana no seu ensaio "Paz no Mundo". "Todo e cada indivíduo se sente no mundo do Criador, como único soberano. E que todos os outros foram criados somente para facilitar e melhorar sua vida. Sem que para isso ele sinta qualquer obrigação em retribuir". Em poucas palavras, somos egoístas até os ossos. Porém, quando corrigidos, esse extremo egoísmo se torna o mais alto grau de altruísmo e benevolência. O Desejo mais Egoísta: Ser Altruísta. O fato de termos nascidos egoístas não significa que continuaremos a ser egoístas para sempre. Lembre-se que o Criador é Benevolente. Ele não tem nada em sua mente a não ser outorgar. Consequentemente, Ele criou criaturas que somente querem receber. Essas criaturas começam a receber aquilo que Ele outorga, mais, mais ainda sem fim. Enquanto a vontade de receber se desenvolve nas criaturas, uma transformação quase mágica acontece. Elas não querem somente aquilo que o Criador outorga. Mas elas também querem ser de fato Criadores. Pense em como cada criança quer se tornar como seus pais. Pense também que a base do aprendizado do pequeno é o desejo de crescer. Os Cabalistas dizem que a vontade da criança de ser um adulto nasce do desejo da criatura em se tornar semelhante ao seu Criador. Se seus pais são seus modelos, você estudaria suas ações e se esforçaria para igualá-los e ser também um adulto. Da mesma maneira, se o Criador é seu modelo, você estudaria o Criador para se assemelhar a Ele. Se o Criador que você estudar é toda doação, todo benevolência, você pode ver como o egoísmo extremo de querer ser como o "Criador" pode se tornar em altruísmo porque é o que Ele é. Exploraremos mais ainda nos próximos capítulos esse assunto. Na Cabala, a capacidade de ser como o Criador é chamada "atingindo o atributo de outorgar". A implicação, pode parecer antagônica, mas o desejo mais egoísta de uma pessoa é ser como o Criador: totalmente altruísta. Em Resumo: A Cabala oferece um método que ensina a receber. O desejo primário do Criador é outorgar prazer, por isso Ele impregna suas criações com o desejo de receber esse prazer. O "exto sentido" permite a pessoa perceber os Mundos Espirituais Superiores. O objetivo da Cabala é a revelação do Criador enquanto ainda vivemos neste mundo. Os maiores egoístas querem ser como o Criador: altruístas. Abraço. Davi.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O CAMINHO DO CONHECIMENTO

Hinduísmo. Srimad Bhagavad Gita - O Canto do Senhor. Por Swami Vijoyananda. O CAMINHO DO CONHECIMENTO. Capítulo VII. 1– Disse o BENDITO SENHOR: Eu ensinei este eterno yoga à Vivaswata. Vivaswata o ensinou à Manú e Manú à Ikshvaku. 2– Assim, os reis sábios aprenderam este yoga de seus respectivos preceptores. Ó destruidor de teus inimigos, este yoga, depois de um longo período de tempo, foi esquecido. 3– Como tu és Meu devoto e amigo, hoje lhe falei sobre este antigo yoga. Em verdade, este é um grande segredo. 4– Disse Arjuna: Tu nasceste muito depois de Vivaswata, como, portanto, entenderei que falaste deste yoga no remoto passado? 5– Disse o BENDITO SENHOR: Ó destruidor de teus inimigos, você e Eu já nos encarnamos muitas vezes; Eu conheço todas estas encarnações, você não as conhece. 6– Ainda que (em realidade) não tenho nascimento, sou imutável e Senhor das criaturas, dominando Minha prakriti, me encarno, servindome de Minha própria maya (a inescrutável força divina). 7-8– Ó Bhárata, toda vez que declina a religião (a retidão) e prevalece a irreligião, Me encarno de novo. Para proteger aos bons, destruir aos maus e estabelecer a (eterna) religião, Me encarno em diferentes épocas. 9– Aquele que assim conhece realmente Minha divina encarnação e Minha obra, quando deixa este corpo não renasce mais; ele chega a Mim, ó Arjuna. 10– Livres do apego, do medo e da ira, absortos em Mim, refugiando-se em Mim, purificados pela austeridade e pelo discernimento, muitos alcançaram Meu Ser. 11– Seja qual for a maneira em que os homens Me adorem, Eu satisfaço seus desejos. Ó Partha, de todas as maneiras, é o Meu caminho que os homens seguem. 12– Desejando êxito na ação neste mundo, as pessoas adoram aos devas (seres celestiais). Neste mundo dos homens o êxito na ação chega logo. 13– As quatro castas foram criadas por Mim, segundo a atitude e as ações dos homens. Ainda que seja seu autor, (em realidade) saiba que sou imutável e não-ator. 14– As ações não Me mancham, nem desejo seus frutos; aquele que assim Me conhece não é aprisionado pelas ações. 15– Sabendo isto, os antigos aspirantes à liberação cumpriram seus deveres. Tu também atues como eles o fizeram no passado. 16– Até os sábios (às vezes) tem confusão com relação ao que é a ação e o que é a inação. Eu te direi o que é a ação, sabendo-o te libertarás do mal. 17– É necessário saber bem quais são as ações prescritas e quais as proibidas e também o que é a inação, porque é difícil saber qual é o modo adequado de atuar. 18– Aquele que vê a inação na ação e a ação na inação, é um sábio entre os homens, é um yogui e pode executar todas as ações. (Os resultados das ações que produzem todo tipo de momentâneas alegrias e pesares não afetam ao que trabalha sem egoísmo ou ao que se sente como um instrumento de Deus, de modo que toda sua ação é como a inação. Em troca, a inação de um egoísta ou irreligioso é pura indolência e lhe causa sofrimento e escravidão. Também se pode dizer que o ignorante pensa que o Ser atua, enquanto o sábio vê ao corpo e aos órgãos atuarem e sabe que para o Ser não há ação.) 19– Aquele cujas ações não são motivadas por algum plano prévio ou por desejo, cujas ações são purificadas pelo fogo do conhecimento, a ele os sábios chamam conhecedor. 20– Renunciando ao apego à ação e aos seus frutos, sempre satisfeito, sem depender de ninguém, o conhecedor, ainda que esteja ocupado na ação, em realidade não faz nada (que o possa prender). 21– Sem desejos, com a mente e o corpo controlados, abandonando todos os bens, ainda que leve a cabo as ações físicas, (o sábio) não fica manchado por elas. 22– Satisfeito com o que recai sobre ele, transcendendo os pares de opostos (como o calor e o frio, o agradável e o desagradável, etc.) livre da inveja, equânime diante do êxito e do fracasso, o sábio não se prende ainda que atue.

23– Desapegado, emancipado, com a mente estabelecida no supremo conhecimento, o que faz tudo como yagña (sacrifício), toda ação se dissolve (não produz nenhum efeito que o possa atar). 24– A concha (usada para as oferendas) é Brahman, a oferenda é Brahman, aquele que faz o culto é Brahman e o fogo é Brahman; aquele que vê ao único Brahman na ação alcança ao próprio Brahman. 25– Outros yoguis fazem cultos aos devas e há outros que oferecem a seu próprio ser como oferenda no fogo de Brahman. 26– Alguns oferecem a audição ou outros sentidos no fogo do controle e outros oferecem os objetos no fogo dos sentidos. 27– Há quem ofereça as funções orgânicas e os pranas (as forças vitais) no fogo do yoga do autocontrole, aceso pelo conhecimento. 28– Também há outros que fazem os cultos da caridade, da austeridade e do yoga, enquanto, há quem considere como yagñas ao voto severo, ao discernimento e a diária leitura das escrituras. 29– Há outros que praticam o pranayama (controle dos pranas ou forças vitais), oferecendo ao prana (a exalação) no apana (a inalação) e o apana no prana, depois de restringir a saída e a entrada dessas duas forças. Enquanto outros que regulam sua alimentação, oferecem as funções dos pranas nos pranas dos sentidos. (Depois de dominar a um dos cinco pranas, o yogui o concebe como fogo sagrado e nele oferece como oferenda aos quatro pranas restantes. O yogui perfeito controla aos cinco pranas ou ao corpo psicofísico.) 30-31– Todos eles conhecem o yagña que consome seus pecados e eles absorvendo o néctar, as sobras da oferenda, alcançam ao eterno Brahman. (Qualquer ação feita sem egoísmo ou como uma oferenda à Deus purifica a mente do homem e o libera.) Ao que não faz o yagña não lhe pertence este mundo, muito menos o outro, ó tu, o melhor dos Kurus. 32– Assim, os Vedas prescrevem diversos yagñas. Saiba que todos eles nascem da ação, com este conhecimento te libertarás. 33– Ó destruidor dos inimigos, o yagña feito pelo conhecimento é melhor ao que se faz com objetos. Ó Partha, todas as ações chegam a sua consumação no conhecimento. 34– Adquira-o (o conhecimento) prosternando-se, perguntando e servindo ao mestre; os sábios, conhecedores da suprema Verdade, lhe instruirão sobre esta sabedoria. 35-36– Adquirindo-o, ó Pandava, não cairás de novo na ignorância e verás a todos em teu Ser e em Mim também. Mesmo se fosses o pior dos pecadores, cruzarás o mar dos pecados apenas na balsa deste conhecimento. 37– Como um voraz incêndio reduz a cinzas todo o combustível, assim o fogo do conhecimento reduz a cinzas todas as ações. 38– Em verdade, neste mundo não há melhor purificador da mente do que o conhecimento. O perfeito yogui, com o tempo, o logra automaticamente. 39– O homem de shraddha, dedicação e autocontrole, adquire este conhecimento e em seguida, imediatamente alcança a suprema Paz. 40– O ignorante, o homem sem shraddha (fé em si mesmo), o que dúvida, vai à ruína. Para aquele que dúvida, não há este mundo, nem o outro, nem felicidade. 41– Ó Dhananjaia, aquele que pelo yoga renunciou aos frutos das ações, cuja dúvida foi destruída pelo conhecimento e que repousa em seu Ser, não é atado pelas ações. 42– Por isso, despedaçando com a espada do conhecimento a esta dúvida sobre o Ser, nascida da ignorância e que tomou posse de seu coração, refugie-se no yoga. Erga-se, ó Bhárata! Abraço. Davi

terça-feira, 11 de novembro de 2025

RELIGIÃO DO ISLAM. Parte XIX

Islamismo. IslamHouse.com. Manual para o Novo Muçulmano. Por Jamaal Zarabozo (1961 - ). A RELIGIÃO DO ISLAM. Parte XIX. Todos os muçulmanos devem evitar que a combinação das orações seja motivada por falta de interesse e devem se esforçar em realizá-las em seus horários adequados. Então, para que as orações sejam corretas e apropriadas devem cumprir com as seguintes condições: (1) O indivíduo deve saber o horário que o período de cada oração inicia; (2) deve apresentar um estado de purificação; (3) a vestimenta, o corpo e o lugar devem estar livres de impurezas; (4) o corpo deve estar coberto de uma maneira apropriada – o homem deve se cobrir da região que vai do umbigo aos joelhos com uma roupa que não revele o que deve estar coberto e as mulheres devem cobrir todo o seu corpo, exceto mãos e rosto; (5) o indivíduo deve estar direcionado para a qiblah, ou seja deve estar orientado na direção da Kaabah, em Makkah e (6) deve colocar a intenção apropriada no momento de realizar cada oração. É extremamente importante que o muçulmano realize as cinco orações diárias em congregação, numa mesquita. Muitas passagens do Qur’an e da Sunnah mostram a importância de se realizar as orações em congregação. Por exemplo, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “A oração que é realizada em congregação é vinte e cinco vezes melhor que a oração realizada em seu lar ou no mercado.” Quando uma pessoa realiza a ablução de forma adequada e, então, dirige-se à mesquita apenas com o desejo de rezar, cada passo que dá o eleva espiritualmente e seus pecados são expiados. Enquanto reza os anjos oram por ele, todo o tempo em que permanece no local de oração, dizendo:  “Ó Allah, tende piedade dele, ó Allah, perdoe-o, ó Allah, aceita seu arrependimento. E assim, considera-se esta pessoa em estado de oração até que entre o horário da próxima.” Na realidade, muitos sábios afirmam que realizar as cinco orações diárias em congregação é algo obrigatório para os homens. Além da óbvia importância que as orações em congregação possuem em geral, creio que, baseado na minha própria experiência, é de extrema importância que os recém-convertidos congreguem o mais que possam com seus irmãos muçulmanos. Primeiramente, isso demonstra a seriedade do convertido com sua nova religião, o Islam, demonstra seu desejo por realizar os atos fundamentais de sua nova fé. Esta atitude conquistará os muçulmanos de sua comunidade e estes disporão parte do seu tempo a esse novo convertido. Segundo, é uma boa oportunidade de o convertido estabelecer uma amizade com os outros muçulmanos e aprender com seus exemplos. É muito complicado mudar sua vida para uma vida realmente islâmica se esta pessoa permanece num círculo social composto por não muçulmanos. É por isso que frequentar a mesquita abrirá as portas para que haja novos amigos muçulmanos. Terceiro, é uma excelente oportunidade para que o convertido aprenda sobre o Islam. Usualmente, nas mesquitas, encontramos pessoas que possuem uma grande sabedoria a respeito do din. O novo convertido não se sentirá só em sua busca, pois encontrará devotos muçulmanos que o ajudarão e guiarão. Está claro que estas vantagens se aplicam tanto aos homens quanto às mulheres. Portanto, a convertida também deve aproveitar esta oportunidade e tentar se integrar, participando de algumas orações em congregação na mesquita. O Qur’an é em árabe. O primeiro capítulo do Qur’an é nomeado surah al Fatiha (capítulo de abertura). Este capítulo constitui uma parte fundamental da oração e é lido em todas as orações diárias, várias vezes. É óbvio que leva algum tempo aprender, ler e memorizar este breve capítulo.  Aquele que é capaz de memorizá-lo deve fazê-lo, e isso é extraído do seguinte hadith: “Um homem se aproximou do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) e disse que era incapaz de aprender algo do Qur’an, e pediu ao Profeta que o ensinasse algumas frases que o ajudassem a orar. O Profeta o ensinou: ‘Subhaanallah wa-l-hamdulillaah wa laa ilaahah illa-llah wallahu akbar wa la haula wa la quwwata illa-billaah al-Ali al-Adhim’. O homem disse: ‘Essas são frases de adoração a Allah. O que posso dizer para mim mesmo?’ O Profeta o ensinou: ‘Allahumma, irhamni wa-rzuqni wa-‘afani wa-hdini’. Quando o homem se foi, o Profeta disse: ‘Ele se foi com as mãos cheias de bondade’. Gostaria de aconselhar ao convertido que aprenda as expressões em árabe e as passagens do Qur’an diretamente das pessoas que falam corretamente o árabe. O convertido não deve confiar em transliterações, já que estas não podem transmitir de uma forma exata a pronúncia das palavras caso o indivíduo não esteja familiarizado com o idioma árabe. Conheço, por experiência própria, que se o convertido aprende as frases da oração ou partes do Qur’an de forma incorreta, depois é muito mais difícil corrigir os vícios na pronúncia. Então, desde o começo, é recomendável que se aprenda a pronúncia do idioma árabe da melhor maneira possível e diretamente com pessoas que o falem com propriedade. Uma breve consideração sobre a oração Quando o Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) se preparava para a oração, direcionava-se para a Kaabah, em Makkah, com a intenção de cumprir com a oração. Logo, começava sua oração com a expressão “Allahu akbar” (Allah é o maior) e levantava suas mãos até as orelhas, enquanto dizia esta expressão. Continuando, colocava sua mão direita sobre a esquerda, ambas sobre seu peito. Olhava para o chão. Começava a oração recitando diversas súplicas, louvores e glorificações a Allah. Logo, buscava refúgio em Allah contra o maldito Satanás. Depois, recitava “Bissmillahir Rahmanir Rahim” (Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso) em voz baixa. Recitava, então, a surat al-Faatiha, o primeiro capítulo do qur’an, recitando versículo por versículo. Ao final da surah dizia “Amin”, em voz alta e prolongando um pouco sua pronúncia. Depois de finalizar a leitura da surat al-Faatiha, recitava outra parte do Qur’an, intercalando leituras extensas e mais curtas. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) recitava o Qur’an em voz alta na oração da manhã e nas duas primeiras unidades (rakaatein) das orações do pôr-do-sol e da noite. A oração de sexta-feira, as orações do Eid, a oração para suplicar por chuva e a oração do eclipse são também recitadas em voz alta. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) realizava as duas últimas rakah na metade do tempo que as duas primeiras e sua duração seria de mais ou menos quinze versículos, inclusive, muitas vezes, só recitava a surat al-Fatiha. Ao terminar as rakaat, levantava suas mãos até as orelhas dizendo o takbir (Allah é o maior) e fazia uma reverência curvando o tronco. Punha suas mãos nos joelhos, com os dedos separados, como se estivesse agarrado a eles. Afastava seus braços do seu corpo e posicionava-se ereto, com as costas bem retas, de tal modo que se derramassem água nele, ela não derramaria. Permanecia calmo e seguia com sua reverência. Repetia três vezes “Subhanna Rabbi al Adhim” (Louvado seja meu Senhor, o Grandioso). Também, durante sua reverência costumava suplicar e relembrar Allah, repetindo ou não as palavras. Também proibiu a recitação do Qur’an durante esta etapa. Logo depois levantava suas costas, endireitando-se em pé e dizia, durante o movimento: “Sami Allahu liman hamidah” (Allah escuta àquele que O louva). Levantava suas mãos enquanto levantava seu tronco. Ao parar, em pé, dizia: “Rabbana wa lakal-hamd” (Nosso louvor é dirigido para nosso Senhor). Às vezes dizia algo mais simples que isso. Logo pronunciava novamente o takbir e se prostrava. Punhas suas mais no solo antes de apoiar seus joelhos. Apoiava-se sobre suas mãos. Juntava os dedos e os direcionava em direção da quiblah. Algumas vezes colocava-os paralelos aos seus ombros, outras, paralelos à suas orelhas. Firmemente, baixava a cabeça, tocando o nariz e a testa no chão. Ele dizia: “Foi-me ordenado prostrar-me sobre sete pontos: a testa – e indicou o nariz também, as duas mãos, os dois joelhos e as pontas [dos dedos] dos pés.” Também disse: “A oração das pessoas cujo nariz não toca no chão, mesmo a testa tocando, não tem validade.” O Mensageiro de Allah permanecia sereno e quieto durante a prostração, repetia três vezes “Subhanna Rabbial-‘Ala” (Exaltado é meu Senhor, o Altíssimo). Nesta posição, recitava várias frases evocando e suplicando a Allah, utilizando diferentes súplicas. Aquele que reza deve esforçar-se para suplicar bastante quando se encontra nesta posição. Então, ele levantava a cabeça, sentando-se, enquanto pronunciava o takbir. Depois, sentava-se sobre sua perna esquerda que se encontrava dobrada, descansando e permanecendo muito quieto. A perna direita permanecia levemente erguida por seu pé e os dedos de suas mãos apontavam para a quiblah, descansando em cima dos joelhos. Neste momento ele dizia: “Ó Allah, perdoa-me, tende piedade de mim, dá-me forças, eleva-me, guia-me, perdoa-me e provenha-me o sustento.” Então, pronunciava o takbir e prosseguia realizando uma segunda prostração, exatamente como a primeira. Continuando, levantava sua cabeça enquanto pronunciava o takbir e se sentava sobre a perna esquerda, com todos os ossos do seu corpo encaixados na posição sentada. Então, levantava-se apoiando no chão. Na segunda rakah fazia o mesmo que na primeira, entretanto sua duração era menor. Ao final da segunda rakah, sentava-se para recitar o tashahhud. Se aquela fosse uma oração de apenas duas rakah, ele se sentava sobre sua perna esquerda, como fez no intervalo de duas prostrações. Também, sentava-se da mesma forma no tashahhud da quarta rakah. Enquanto se sentava para o tashahhud, punha suas mãos sobre suas coxas, a mão esquerda permanecia com os dedos espalmados e a direita, ele fechava o punho e apontava o indicador para cima, olhando fixamente para o indicador estendido. Então, ele recitava o tahiyiat; o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) também realizava algumas orações pedindo por ele no último tashahhud e oferecia outras súplicas pedindo por sua comunidade. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) costumava dizer diferentes súplicas durante esta parte da oração. Ao final, saudava à sua direita e à sua esquerda (voltando a cabeça para cada ombro) dizendo: “que a paz e a misericórdia de Allah estejam convosco”. Em algumas ocasiões acrescentava “e Suas bênçãos” ao final da frase. O pagamento do Zakat. Linguisticamente, a origem da palavra zakat vem de purificação, bênção e crescimento. Allah esclarece no Qur’an: “Bem-aventurado aquele que se purificar.” (87: 14) Outra palavra que se utiliza nos ahaadith e no Qur’an com referência ao zakat é sadaqah. Esta palavra deriva de sidq (a verdade). Siddiqi explica o significado desses termos e como são utilizados:  “Ambas as palavras possuem um significado muito forte. O tributo das riquezas pela causa de Allah purifica o coração do homem do amor aos bens materiais. O homem que contribui, oferece-o como um presente humilde perante Allah e, por sua vez, afirma a verdade de que não existe nada mais preciso para sua vida que o amor por Allah, indicando que está completamente preparado para sacrificar tudo em Seu nome.” Na Lei Islâmica, seu significado técnico se refere a uma porção fixa das variadas riquezas de uma pessoa que deve ser entregue, anualmente, a um determinado grupo de beneficiários. Não há dúvidas que dentre os pilares do Islam o zakat se encontra em uma posição muito próxima à oração. Usualmente, são mencionados juntos no Qur’an, em oitenta e duas ocasiões, para ser exato. Pode-se observar no Qur’an que uma das chaves para obter a misericórdia de Allah na próxima vida é através do pagamento do zakat. Allah disse: “Os fiéis e as fiéis são protetores uns dos outros; recomendam o bem, proíbem o ilícito, praticam a oração, pagam o zakat, e obedecem a Deus e ao Seu Mensageiro. Deus Se compadecerá deles, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo.” (9: 71) O pagamento do zakat purifica a alma e a riqueza das pessoas. Allah disse ao Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele): “Recebe, de seus bens, uma caridade que os purifique e os santifique, e roga por eles, porque tua prece será seu consolo; em verdade, Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo.” (9: 103) Além disso, tem a capacidade de purificar a alma do crente, limpando-a das enfermidades da avareza e mesquinharia. Também purifica as riquezas, livrando seu proprietário de qualquer efeito negativo que ela possa exercer sobre ele. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse uma vez: Aquele que paga o zakat de suas riquezas será afastado dos males que veem com ela.” O zakat cumpre um rol muito importante na sociedade em sua totalidade.  Existem alguns fatores muito óbvios que devem ser enunciados aqui. Por exemplo, o zakat ajuda os pobres da sociedade a receber o dinheiro que necessitam para viver. Também ajuda a fortalecer os laços de irmandade na comunidade muçulmana, já que os pobres sabem que os mais ricos os ajudarão através do zakat e outras formas de caridade. Inclusive as pessoas que são muito ricas entendem que podem doar em nome de Allah. Percebem que não sentirão fome ou morrerão se derem parte de sua riqueza em nome de Allah. Além disso, também serve para aqueles que possuem riquezas se darem conta de que essa riqueza provém da bênção de Allah. Portanto, todos devem utilizá-la de modo que satisfaça a Allah. Um dos aspectos mais satisfatórios consiste em cumprir com nossa responsabilidade de pagar o zakat referente a essas riquezas. Os muçulmanos que não pagam o zakat estão prejudicando a si mesmos e também a toda a comunidade islâmica. O Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “Ao povo que se nega pagar o zakat sobre suas riquezas será castigado pela falta de chuva. Se não fosse pelos animais, não choveria absolutamente.” Allah e Seu Profeta deixaram bem claro que o ato de não pagar o zakat é um ato que desagrada a Allah. Allah ameaçou castigar duramente esse tipo de comportamento. Por exemplo, o seguinte versículo do Qur’an faz referência àquelas pessoas que não pagam o zakat por suas riquezas: “Que os avarentos, que negam fazer caridade daquilo com que Deus os agraciou, não pensem que isso é um bem para eles; ao contrário, é prejudicial, porque no Dia da Ressurreição, irão, acorrentados, com aquilo com que foram mesquinhos. A Deus pertence a herança dos céus e da terra, porque Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis.” (3: 180) O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) descreveu o castigo que assolará aqueles que não pagam o zakat correspondente às suas riquezas. Em um hadith, no Sahih Bukhari, Abu Huraira narra que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: “[No Dia da ressurreição] Os camelos voltarão aos seus donos gozando do melhor estado de saúde que poderiam ter [neste mundo] e, por não haver pagado o zakat por eles, pisá-los-ão com suas patas; do mesmo modo, as ovelhas voltarão com o melhor estado de saúde que poderiam gozar neste mundo e, caso não tenham pagado o zakat sobre elas, pisá-los-ão com seus cascos e golpearão com seus chifres. Não quero que nenhum de vós se aproxime de mim, no Dia da ressurreição, carregando em vossos pescoços uma ovelha que esteja balindo e me digam: ‘Ó Muhammad [por favor, interceda por mim]’. Responderei: ‘Não posso ajudar-te já que transmiti a Mensagem de Allah’. Nem tampouco quero que nenhum de vós se aproxime de mim acompanhado de um camelo bramando e me digam: ‘Ó Muhammad [interceda por mim]’. Responderei: ‘Não posso ajudar-te já que transmiti a Mensagem de Allah’.” O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) advertiu acerca das conseqüências por não pagar o zakat. Vejamos o seguinte hadith mencionado no Sahih Bukhari: “Aquele que é abençoado com dinheiro e não paga o zakat por suas riquezas, no Dia da Ressurreição, sua riqueza se transformará em uma serpente venenosa com duas presas. Ela apertará seu pescoço e morderá suas bochechas e dirá: ‘Sou tua riqueza, sou o que entesourastes’.” Então, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) recitou o versículo da surah al Imran. Em outro versículo que também inclui aqueles que não pagam o zakat, Allah disse: “Ó fiéis, em verdade, muitos rabinos e monges fraudam os bens dos demais e os desencaminham da senda de Deus. Quanto àqueles que entesouram o ouro e a prata, e não os empregam na causa de Deus, anuncia-lhes (ó Muhammad) um doloroso castigo. No dia em que tudo for fundido no fogo infernal e com isso forem estigmatizadas as suas frontes, os seus flancos e as suas espáduas, ser-lhes-á exposto: eis o que entesourastes! Experimentai-o, pois!” (9: 34-35). A quantidade de dinheiro que deve ser paga como Zakat O zakat é obrigatório sobre diferentes tipos de riquezas como, por exemplo, o dinheiro, cultivos, frutos, gado e os tesouros encontrados na terra. No mundo atual, a forma mais comum de riqueza é o dinheiro. O zakat deve ser pago se o montante de dinheiro atinge o mínimo requerido para seu pagamento e se a pessoa o detém por mais de um ano. A porcentagem paga por dita possessão é de 2,5%. A quantidade mínima requerida de riquezas para a contribuição do zakaat é chamada nisaab. Atualmente, existe um nisaab diferente do aplicável pela shari’a, que é baseado no ouro ou na prata. Hoje em dia as pessoas possuem dinheiro, muito raramente investem suas riquezas em ouro e prata. Isso há suscitado diferentes opiniões sobre o nisaab em dinheiro, se ele deve ser baseado no valor do ouro ou da prata. Toma-se então, o ouro como referência, o zakat é obrigatório se a quantidade possuída é superior a 85 gramas de ouro ou seu valor equivalente em moeda corrente. Se um muçulmano tem esta quantidade de dinheiro por mais de um ano, deve pagar o 2,5% como zakat, anualmente. O zakat é distribuído entre certos tipos de pessoas. Allah mencionou estas categorias no seguinte versículo:  “As esmolas são tão-somente para os pobres, para os necessitados, para os funcionários empregados em sua administração, para aqueles cujos corações têm de ser conquistados, para a redenção dos escravos, para os endividados, para a causa de Deus e para o viajante; isso é um preceito emanado de Deus, porque é Sapiente, Prudentíssimo.” (9: 60). Página 169. Abraço. Davi